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O medo e a euforia que senti no meu primeiro dia de aula

Prof. Oswaldo Melantonio discursando. - Imagem: Reprodução
Prof. Oswaldo Melantonio discursando. - Imagem: Reprodução
Reinaldo Polito

por Reinaldo Polito

Publicado em 30/04/2023, às 09h10


Eu era quase um menino. Contava apenas com 24 anos. Um bebê para o desafio que não imaginava ter de enfrentar. Havia me matriculado no curso de oratória do professor Oswaldo Melantonio.

Eram turmas semanais. Nunca frequentara aulas que me proporcionassem tanto prazer. Era o primeiro a chegar e o último a sair. Queria aproveitar cada um daqueles momentos. Tanto assim que não me contentava em participar apenas do meu grupo, às quartas-feiras, chegava a ir praticamente todos os dias.

Admirava a maneira como o mestre transmitia as lições. Eu aprendia não só o conteúdo de suas matérias, mas também, e principalmente, com seu exemplo. Como falava! E eu pensava: será que um dia vou conseguir me expressar com tanta fluência, de forma tão eloquente?

O que eu não sabia é que o professor estava de olho em mim. Ele percebia o meu envolvimento e paixão pela arte de falar em público. Em uma das aulas, disse que precisava falar comigo. Embora não houvesse nenhum sinal do que poderia ser aquela conversa, nasceu em minha mente uma luz de esperança: será que ele vai me pedir para ajudá-lo? Com aquela pouca idade, sem nenhuma experiência, com tantos alunos dotados de extraordinária competência oratória, só podia mesmo ser fruto de um sonho pessoal, bem distante da realidade.

Assim que os alunos saíram, o mestre parou na minha frente e permaneceu em silêncio por um bom tempo, apenas olhando para mim. Em seguida, coçando a cabeça, disse que não era nada não. Eu tive a certeza naquele instante de que ele havia pensado mesmo em me convidar para participar de suas aulas como assistente, mas se arrependera. Resolvi, então, insistir: professor, estou à sua disposição para o que precisar. Pode contar comigo.

Mais um momento de dúvida em seu semblante, e, ainda hesitante, disse: Polito, você gostaria de trabalhar aqui como assistente? Seria nas turmas do sábado pela manhã. Respondi que sim, e quis saber o que eu precisaria fazer.

Ao ouvir o que ele esperava de mim, o meu coração pareceu sair pela boca. Queria que no próximo sábado eu iniciasse a aula dando aos alunos algum exercício interessante. Não me disse que tipo de treinamento, nem por quanto tempo eu deveria falar. Com receio de que ele pudesse mudar de ideia, topei na hora.

Aqueles dias que antecederam à aula foram angustiantes. Peguei um livro intitulado “Você quer falar melhor?”, de autoria de Pedro Bloch. Selecionei alguns exercícios, passei para umas fichas de cartolina, e ensaiei exaustivamente. Talvez fosse uma oportunidade única.

A aula no sábado começava às 9h. Às 8h eu já estava subindo e descendo a Rua Bela Cintra, esperando que alguém abrisse a porta da escola. De longe eu vi que a entrada estava liberada. Faltava coragem. Passei mais meia dúzia de vezes em frente, do outro lado da calçada. O coraçãoestava descompassado. Como eu poderia enfrentar a classe com aquela insegurança? Criei coragem, estufei o peito e resolvi entrar. Havia cerca de 20 alunos. Todos esperavam pela presença do grande mestre, não daquele pirralho. Eu não era estranho porque já havia participado de algumas aulas com eles. O que não ajudou muito, pois, talvez, fosse preferível que ninguém soubesse quem eu era.

Às 9h em ponto, eu me apresentei e informei que estava começando a aula a pedido do professor. Ninguém reagiu nem bem nem mal. Devem ter entendido que, se o mestre me enviou para aquela tarefa, era porque sabia o que estava fazendo.

Comecei os exercícios. Em menos de cinco minutos, tive a impressão de que a vida inteira havia me dedicado àquela atividade. O coração batia naturalmente. As mãos não estavam mais geladas. A voz saía tranquila, demonstrando segurança. Às 9h30 apareceu o professor Oswaldo Melantonio. Surgiu na porta com sua figura carismática e imponente. Foi para o fundo e se sentou na última cadeira. Ficou durante alguns minutos aguardando que eu encerrasse o treinamento. Seus olhos eram de aprovação. Eu estava feliz e me sentia realizado.

Ministrei essa primeira aula há 48 anos. De lá para cá nunca mais parei. Nesse tempo, treinei mais de 71 mil alunos e escrevi 34 livros sobre a arte de falar. Seis dessas obras entraram para as listas dos livros mais vendidos no país. Várias delas estão presentes em 39 países.

O professor estava com a razão ao hesitar para fazer o convite. Afinal, só me vira como aluno, nunca ministrando uma aula. Ao resolver confiar em sua intuição, abriu as portas para que eu pudesse me tornar um professor de oratória. Mais que isso, me deu a oportunidade para abraçar uma profissão que me proporcionou e me proporciona tantas alegrias e sentimento de realização.

Reinaldo Polito é Mestre em Ciências da Comunicação e professor de oratória nos cursos de pós-graduação em Marketing Político, Gestão de Marketinge Comunicação e Gestão corporativa na ECA-USP. Escreveu 34 livros, com mais de 1,5 milhão de exemplares vendidos em 39 países.

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