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Lula é um animal político que não dá ponto sem nó

Luiz Inácio Lula da Silva. - Imagem: Reprodução | Daniel Ferreira
Luiz Inácio Lula da Silva. - Imagem: Reprodução | Daniel Ferreira
Reinaldo Polito

por Reinaldo Polito

Publicado em 15/01/2023, às 08h08


Lula comete erros. Muitos. Em uma quinzena ele e seus ministros já deram o que falar com as suas decisões. Até alguns seguidores, que se empenharam para que o petista fosse eleito, contestaram suas iniciativas. O bom senso indicava, por exemplo, que contabilizados os votos e confirmada a vitória, seria o momento de baixar o tom, depositar “as armas” e tentar, a todo custo, a pacificação.

Essa ideia de unir os brasileiros, entretanto, tem permanecido apenas na retórica. Na prática, o que se percebe é um esforço para não acabar com as distensões existentes, resultado de diferentes posições políticas e ideológicas que se consolidaram em nosso país. Se esse revanchismo não for arrefecido, será difícil pôr em andamento qualquer proposta que faça o país progredir. É muito tempo perdido com querelas partidárias que não levarão a nenhum lugar.

Há uma máxima atribuída a Jânio Quadrossobre a arte de governar, extraída dos ensinamentos de Maquiavel: “Fazer o mal de uma vez e o bem aos poucos”. No início de um governo, ainda colhendo os frutos da popularidade, é o momento de fazer reformas e baixar regras necessárias que talvez até desagradem à população. Na sequência, devagar, a tática deve ser a de contemporizar com iniciativas mais benevolentes. Com essas discussões rasteiras, porém, a oportunidade pode ser perdida.

Lula, por outro lado, não dorme em serviço. No meio de seus discursos, sempre que pode, procura incluir expressões que servem como antídoto para velhos fantasmas que teimam em rondar a agremiação petista. Um deles é o famoso “escândalo do dossiê”, ou “escândalo dos aloprados”. A história é antiga, mas, de vez em quando, teima em pôr a cabeça de fora para lembrar que ainda não foi totalmente sepultada. Os mais jovens, suponho, a não ser que tenham estudado o tema, nunca ouviram falar nesse assunto.

Para explicar de forma bem objetiva, foi uma tentativa malsucedida de comprar um dossiê comprometedor contra José Serra. Esse pacote de documentos envolveria de uma só tacada o candidato ao governo de São Paulo, Serra, e Geraldo Alckmin, que concorria à presidência. A polícia pegou a turma responsável pela venda do dossiê com 1,7 milhão em dinheiro vivo. Era uma montagem, tudo falso. Não havia como dizer que ninguém sabia o que estava acontecendo.

Lula foi rápido. Explicou que sua campanha estava em voo de cruzeiro. Nenhuma nuvem, muito menos nenhuma tempestade pelo caminho. Sua vitória estava garantida. Ele não precisaria lançar mão de nenhum artifício para derrotar Alckmin. O dossiê era, na verdade, a tormenta que só atrapalharia seus planos. A expressão, utilizada pelo candidato petista para se referir aos acusados pelas falcatruas, foi que se tratava de um bando de aloprados.

 A defesa em tom de sarcasmo ficou para a história. Durante os debates entre os dois candidatos, Alckmin perguntou à exaustão: “De onde veio o dinheiro para a compra do dossiê”. Lula enfraquecia e desqualificava as acusações com brincadeiras e ironias. Deu certo. Venceu as eleições.

Esse fato, entretanto, acabou por se tornar uma marca negativa na história do partido. Uma sombra que Lula quer ver o mais longe possível. E aí é que entra a sua habilidade oratória. Para mostrar que há pessoas que não têm muita consciência do que fazem, que agem às vezes sem pensar, usou, de forma condescendente, o mesmo argumento da sua defesa em benefício dos responsáveis pelas invasões no dia 8, domingo.

Ao receber o decreto de intervenção federal na área de segurança do Distrito Federal das mãos dos presidentes da Câmara e do Senado, disse: “Eu penso que, o que aconteceu aqui, eu até não gostaria de pensar em golpe, gostaria de pensar numa coisa menor, quem sabe um grupo de pessoas alopradas que ainda não entenderam que a eleição acabou, que ainda não querem aceitar que a urna eletrônica é, possivelmente, o modelo eleitoral mais perfeito que a gente tem em todos os países do mundo”.

Ou seja, o que aconteceu no domingo foi o mesmo caso daquela história do dossiê, coisa de aloprados.

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