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COLUNA

Lula e o puxão de orelha dos franceses

Macron e Lula. - Imagem: Divulgação / Ricardo Stuckert
Macron e Lula. - Imagem: Divulgação / Ricardo Stuckert
Reinaldo Polito

por Reinaldo Polito

Publicado em 25/06/2023, às 07h10


De novo, Lula erra no discurso diplomático e, desta vez, decepciona a imprensa francesa. O jornal francês “Libération” de sexta-feira, 23, afirma: “Lula, a decepção e falso amigo do ocidente”.

Desde que assumiu, o presidente não parou de viajar. O saldo dessas idas e vindas, porém, não tem sido louvável. Principalmente o seu posicionamento equivocado na questão ucraniana continua rendendo comentários negativos.

Na verdade, os discursos de Lula nas questões internacionais após sua posse, muitas vezes, deixam transparecer uma visão estreita e até contraditória. Tentando agradar a todos ao mesmo tempo, acabou por descontentar as partes envolvidas. Dizem alguns que, por estar obstinado em concorrer ao prêmio Nobel da Paz, foi com muita sede ao pote e meteu os pés pelas mãos.

As questões diplomáticas são intrincadas. Exigem experiência, assertividade e, ao mesmo tempo, flexibilidade. Um verdadeiro jogo de xadrez. Se uma peça for movida apenas observando a jogada de momento, sem vislumbrar os lances que se sucederão bem mais à frente, os planos podem desandar. Por paradoxal que possa parecer, uma simples frase para ser proferida requer, por um lado, muita paciência e reflexão e, por outro, iniciativas resolutas.

O Brasil tem tradição admirável na diplomacia. Desde Rio Branco as decisões brasileiras têm sido bem-sucedidas. Esse hábil negociador encabeçou o ministério das Relações Exteriores por longos dez anos, de 1902 a 1912. Segundo os seus preceitos, os litígios devem ser resolvidos por meio da diplomacia, não pela força.

Apesar de Bolsonaro ser criticado por sua forma truculenta de se expressar em determinadas circunstâncias, transitou com muita competência nas relações internacionais, fazendo apenas o que fora recomendado pelo Itamaraty. Deixou por conta de quem era do ramo os pronunciamentos mais delicados, como, por exemplo, no conflito entre Rússia e Ucrânia:

“O governo brasileiro acompanha com grave preocupação a deflagração de operações militares pela Federação da Rússia contra alvos no território da Ucrânia. O Brasil apela à suspensão imediata das hostilidades e ao início das negociações conducentes a uma solução diplomática para a questão, com base nos Acordos de Minsk e que leve em conta os legítimos interesses de segurança de todas as partes envolvidas e a proteção da população civil”. Palavras irretocáveis.

Nesse mesmo momento desafiante, coube a Bolsonaro a arriscada decisão de visitar Putin horas antes de o conflito iniciar. Deu certo. Conseguiu tudo o que desejava, especialmente o compromisso de que os russos continuariam a fornecer fertilizantes para a nossa agricultura.

No caso de Lula, entretanto, a comunicação é comprometedora em vários aspectos.  Arrumou confusão com Israel ao dizer: “Veja, a ONU era tão forte que em 1948 conseguiu criar o Estado de Israel. Em 2023, ela não consegue criar o Estado Palestino”. E para piorar o que já estava ruim, em outra oportunidade afirmou: “Assim como a Rússia, a Ucrânia tem responsabilidade pela guerra”. E para fechar com chave de ouro: “Os Estados Unidos e Europa contribuíram para a continuidade do conflito”. Qualquer aluno do primeiro ano do Instituto Rio Branco sabe que o silêncio seria mais adequado que essas frases desastradas.

Lula acaba de levar um puxão de orelhas da imprensa francesa. O jornalista Axel Glyden publicou um texto na revista L’Express criticando as ações do presidente: “A diplomacia brasileira sempre desfrutou de grande prestígio devido ao seu profissionalismo e uma tradição de pragmatismo reconhecida. Mas hoje, a magia não funciona mais”. Suas palavras se referiram aos deslizes de Lula sobre a Ucrânia e sua defesa ao ditador Nicolás Maduro. Fecha com uma afirmação desairosa: “Enfim, Lula não é mais Lula”.

Talvez o chefe do Executivo brasileiro até consiga alguns pontos positivos nessas peregrinações que tem feito ao exterior, mas essas cicatrizes que já se instalaram dificilmente desaparecerão. Agora o mundo já sabe como ele pensa, não adianta mais dizer que não disse se todos sabem o que disse.

Diferentemente do que ocorre no Brasil onde o tom dos discursos muda como biruta ao soprar da brisa, nas relações internacionais, por mais que coloque o discurso no gabarito, Lula falando assim dificilmente encontrará a direção certa e as palavras adequadas.

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