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Filho de peixe nem sempre peixinho é?

Livro Adhemar De Barros. - Imagem: Acervo Pessoal
Livro Adhemar De Barros. - Imagem: Acervo Pessoal
Reinaldo Polito

por Reinaldo Polito

Publicado em 08/01/2023, às 08h34


Quem acha que a política só está polarizada no Brasil de hoje é porque não conheceu a rivalidade existente no passado entre Jânio Quadros e Adhemar de Barros. Havia os janistas e os ademaristas. As discussões para defender um e outro eram acaloradas.

No interior, Adhemar deixou suas marcas que perduram depois de tantas décadas. Em Araraquara, por exemplo, o maior parque infantil da cidade leva o nome de sua esposa, Leonor Mendes de Barros. O estádio da Ferroviária tem o seu nome, Estádio Adhemar de Barros.

Tive contato mais próximo com Jânio Quadros. Fizemos algumas reuniões, e ele proferiu palestra na minha escola em 1985, ano em que se elegeu prefeito de São Paulo. Com Adhemar nunca me encontrei. Sabia que era médico de formação e que havia sido prefeito de São Paulo de 1957 a 1961 e governador de 1963 a 1966. Sua reputação era a de ser um bom orador e político muito habilidoso.

Certo dia, recebi em meu curso Adhemar de Barros Filho. Sim, filho do famoso Adhemar.  Ostentava um currículo respeitável. Era um empresário bem-sucedido e exercera o cargo de deputado federal por cinco mandatos. Ele se elegeria mais tarde pela sexta vez. Foi me procurar porque estava se candidatando ao governo de São Paulo e precisava aprimorar a comunicação.

Senti logo na primeira conversa que ele carregava nas costas um grande peso, ser filho do pai. Um pai que se destacara no cenário político também pela qualidade da sua comunicação. Por isso, as comparações eram inevitáveis. As pessoas analisavam se a capacidade de se expressar em público do filho recebera algum tipo de DNA.

Tive a autorização dele para contar esta história. Os primeiros exercícios foram sofríveis. Ia para a tribuna com postura encurvada, falando baixo, para dentro, sem vida. Eu o interrompi algumas vezes tentando mudar seu comportamento. Ele acenava com a cabeça, como se tivesse entendido, mas continuava com a mesma atitude. Parecia ser uma resistência proposital. Havia necessidade de um tratamento de choque.

Em certo momento, deixei a câmera ligada e falei de forma mais contundente que daquela maneira ele jamais venceria as eleições. Seus olhos me fuzilaram. Passou a falar comigo como se eu fosse seu adversário. Levantou a cabeça, soltou os braços, elevou o volume da voz e disse com veemência: “Com os meus mandatos de deputado, eu tenho mais hora de tribuna que o senhor de vida. E não é um professor de oratória que vai me fazer interpretar uma personagem que não sou. Esse teatro já levou o nosso país para a desgraça (estava se referindo a Jânio Quadros)”.

Eu não retruquei. Pedi que se sentasse e assistisse ao vídeo. Logo após as primeiras frases, comentei que aquele sim era um candidato que todos gostariam de ver. Um orador eloquente, vibrante, que acreditava na mensagem que transmitia. E que não precisava interpretar nada, apenas deveria ser ele mesmo, só que acreditando no discurso que fazia. Adhemar sorriu, pediu desculpas e disse que havia entendido perfeitamente as minhas observações. A partir daquele instante se transformou em o

utra pessoa, mais vibrante, mais envolvente, mais convincente. Ficou tão feliz com o resultado que nas aulas seguintes foi acompanhado de uma pessoa da família, pois queria que ela presenciasse o seu desempenho.

Aquela confrontação foi importante para que se conscientizasse de que não precisaria ser como o pai, pois sendo ele mesmo, com aquela autenticidade, seria visto como bom orador. Não venceu aquelas eleições, mas sua atuação durante a campanha foi bastante elogiada.

Uma curiosidade. Mesmo sendo empresário, em determinado ano, Adhemar de Barros Filho foi destacado pelo DIAP (Departamento Intersindical de AssessoriaParlamentar), como o parlamentar mais atuante em defesa dos trabalhadores.

Algum tempo depois, coincidentemente, me procurou a sua irmã, Maria de Barros Figueiredo Ferraz. Mariazinha, como era conhecida, foi considerada uma mulher à frente de seu tempo. Não sabia que o irmão havia sido meu aluno. Durante o treinamento falamos a respeito do seu pai, principalmente de como fora admirado como ótimo orador. No último dia de aula, ela me presenteou com um livro autografado contendo os discursos proferidos por Adhemar de Barros entre os anos de 1938 e 1939. Que presente!

reinaldo
Imagem: Acervo Pessoal

De vez em quando leio alguns deles, especialmente aqueles em que se apresentou nas cidades do interior do estado. Fico imaginando as circunstâncias que cercaram cada uma das suas apresentações, o magnetismo que a sua figura carismática devia transmitir em cima daqueles palanques improvisados. Penso nos filhos. O orgulho que cada um deles sentia do sucesso conquistado pelo pai, mas, ao mesmo tempo, o fardo que carregavam por serem filhosdele. Pelo menos na oratória, com preparo e dedicação, filho de peixe também peixinho é.

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