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Como agir diante de ouvintes hostis e agressivos

Como agir diante de ouvintes hostis e agressivos - Imagem: Reprodução | Freepik
Como agir diante de ouvintes hostis e agressivos - Imagem: Reprodução | Freepik
Reinaldo Polito

por Reinaldo Polito

Publicado em 10/03/2024, às 07h40


Há poucos dias, troquei ideias com uma conhecida palestrante. Com toda a sua experiência, ela se mostrava preocupada, pois havia a possibilidade de enfrentar pessoas raivosas na plateia. Disse não estar amedrontada, mas gostaria de ser bem-sucedida diante dessa adversidade.

Se uma profissional acostumada com os palcos e as câmeras de televisão sente-se desconfortável nessas circunstâncias, o que se pode dizer de alguém que não possui essa experiência? Partindo do princípio de que falar em público já é uma ação complexa e, não raramente, intimidatória, em condições desfavoráveis, com ouvintes antagônicos e até agressivos, torna-se ainda mais desafiadora.

Ser prevenido

A primeira atitude para enfrentar plateias hostis é a prevenção. Sabendo que determinado tema poderá provocar animosidade, temos de nos dedicar para afastar esse assunto da apresentação. Há matérias que exigem período de quarentena. Ao longo das últimas cinco décadas como palestrante, já errei o suficiente para ter autoridade nessa questão.

Só um exemplo. Eu costumava usar os debates entre Collor e Lula na campanha presidencial de 1989 para provar que a força da emoção pode, em certas circunstâncias, ser mais persuasiva que muitos argumentos. A ilustração era perfeita. Collor foi comedido no primeiro debate e, por isso, derrotado por Lula. No segundo confronto, abandonou o comportamento insonso e falou com mais emoção e se saiu vitorioso.

Devia ter substituído o exemplo

Ao citar esses episódios em uma palestra para cerca de 700 pessoas, um ouvinte se levantou e passou a me agredir. Disse que não admitia que alguém dissesse o nome desse tal de Collor na sua presença. Ele estava tão enraivecido que precisaram retirá-lo da sala. Aparentemente não havia motivo para que ele se comportasse comigo com aquela fúria. O errado, entretanto, fui eu.

Descobri depois que esse senhor havia vendido um imóvel para comprar outro. Quando o dinheiro estava na conta, Collor sequestrou todos os valores que as pessoas possuíam nos bancos, deixando apenas 50 cruzeiros para cada uma. Ele estava indignado porque ficou sem o imóvel e sem o dinheiro para a nova aquisição.

Se eu refletisse um pouco melhor, substituiria aquele exemplo por outro. O tema tornara-se indigesto e arriscado. Não tive o cuidado de deixar o assunto de quarentena. Aquela situação poderia ter sido evitada.

Já falou, está dito

Há momentos, todavia, que são inevitáveis. O orador já deu sua opinião antes de proferir a palestra – não pode negar. Ao ser questionado pelos ouvintes, deverá agir para não esticar muito o assunto. Às vezes, funciona dizer apenas: “Está certo, obrigado pelas observações”. Nem sempre é tão simples, pois há pessoas que desejam briga.

Outra saída é perguntar o motivo daquela contrariedade. Há momentos em que, ao tentar explicar seus sentimentos, o ouvinte percebe que não existe tanto fundamento para se comportar daquela maneira.

Em casos excepcionais, porém, ainda que não estejamos cem por cento de acordo, podemos destacar alguns pontos da argumentação contrária, que não comprometam a nossa causa, e com os quais todos possam se identificar.

Se essa atitude não aplacar a ira do ouvinte, pelo menos teremos mais chances de conquistar a solidariedade da plateia. Nem precisaria dizer que não devemos mentir, mas sim citar aspectos com os quais possamos concordar.

Já estão com a faca nos dentes

Quando temos certeza de que as pessoas irão mesmo tentar tumultuar a apresentação, há algumas saídas possíveis. Uma delas é dizer logo no início que alguns ouvintes estão ali prontos para contestar, independentemente do que possa ser dito. Essa antecipação, quem sabe, consiga enfraquecer o ímpeto contrário.

Outra iniciativa é comentar também no início que, embora possa haver divergência de opiniões, o que se espera é uma discussão democrática e aberta, pois essa tem sido a direção daqueles que hoje tem posicionamento contrário. Seria uma tentativa de colocar essa responsabilidade nas costas dessas pessoas para que refreassem o ímpeto beligerante.

Uma medida para contornar esses episódios extremos é combinar com o responsável pelo evento que, ao fazer nossa apresentação, deveria deixar claro que as perguntas e comentários seriam reservados para o final.

No caso de alguém se manifestar, ele se encarregaria de lembrar que a participação do público havia sido combinada para a última parte da palestra. 

Manter a calma e a serenidade

Em todas as situações, devemos ter em mente que a pior de todas as reações é confrontar o ouvinte com a mesma agressividade dele. Se agirmos assim, o embate poderá tomar proporções inimagináveis. Pior, abandonaremos o papel de vítima e passaremos a ser os agressores, perdendo assim a simpatia do público.

Esse é o caminho. Agir preventivamente para não tocar em temas polêmicos, não revidar de forma emocional, manter a calma e tentar encerrar a discussão o mais depressa possível.

Quando as diferenças são de caráter ideológico, tendo o grupo antagônico um comportamento extremista, a não ser que seja muito necessário fazer a apresentação, a melhor decisão será a de recusar o convite para falar.

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