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Insegurança

Violência sexual em abrigos no RS: refúgio ou perigo?

Mulheres desabrigadas pelas chuvas no RS buscam refúgio contra violência sexual em redes de proteção e locais seguros

Abrigo no colégio Estadual Júlio de Castilhos, em Porto Alegre - Imagem: Reprodução / Rafa Neddermeyer / Agência Brasil
Abrigo no colégio Estadual Júlio de Castilhos, em Porto Alegre - Imagem: Reprodução / Rafa Neddermeyer / Agência Brasil

Sabrina Oliveira Publicado em 02/06/2024, às 14h36


O pesadelo das enchentes que atingiram o Rio Grande do Sul (RS) em abril e maio trouxe à tona uma nova dimensão de sofrimento para os desabrigados: o abuso sexual. Mulheres e crianças, já vulneráveis pela perda de suas casas, enfrentam agora a ameaça de violência sexual nos abrigos improvisados e nas ruas.

Nos abrigos, a disputa por um banho em banheiros coletivos e a convivência forçada com indivíduos potencialmente perigosos se tornaram a nova realidade. Comentários intimidadores e abordagens físicas durante a noite são indicativos de um ambiente inseguro, onde a violência de gênero é um perigo constante.

Especialistas alertam que a situação no RS lembra a vivenciada pelas vítimas do furacão Katrina, nos Estados Unidos. Embora as autoridades ainda não divulguem números oficiais, casos de importunação e violência sexual vêm sendo notificados à Polícia Civil, ao Conselho Tutelar, à Delegacia da Mulher e ao Ministério Público.

Relatos de horror

Uma das vítimas, P. A. D., que prefere não se identificar, relatou suas experiências em um colégio na zona norte de Porto Alegre. Compartilhando um quarto com sete homens, ela e sua filha enfrentaram assédio sexual, violência psicológica e ameaças constantes.

Eles falavam que tinham estado na cadeia, que tinham homicídios nas costas e passavam a madrugada falando baixaria, sob o efeito de droga, falando sobre violência. E ficavam nos observando”, conta P. A. D. Em uma ocasião, um dos homens tentou tocar sua filha enquanto ela dormia. Desesperada e sem apoio das autoridades, P. A. D. decidiu deixar o abrigo.

L.M., outra vítima, teve sua casa alagada e acabou nas ruas, onde também sofreu assédio sexual. "Senti alguém mexendo no meu corpo enquanto dormia sob um viaduto", lembra. Em busca de segurança, ela encontrou refúgio em um abrigo do Instituto E Se Fosse Você, no bairro Santana, Porto Alegre.

S. O. A., 43 anos, responsável por duas filhas e uma neta, decidiu pedir ajuda antes que algo pior acontecesse. Após ser resgatada em Eldorado do Sul, ela foi acolhida em uma escola no bairro Rubem Berta, Porto Alegre, mas se deparou com comportamentos inapropriados de outros homens no local. 

Vi um senhor se masturbando no banheiro feminino. Também teve um rapaz de 30 anos querendo levar as meninas mais novas para o banheiro, e um outro que se ofereceu para trocar o disjuntor, enquanto uma moça tomava banho”, relembra, apavorada.

Agora, ela se sente segura no novo abrigo. “Aqui estamos seguras. Homem só entra no pátio da frente, nem o segurança circula na área íntima.”

Redes de proteção

O abrigo no bairro Santana, coordenado pelo Instituto E Se Fosse Você, oferece um ambiente relativamente seguro para cerca de 50 mulheres e crianças. A vice-presidente do instituto, Gabriele Lanot Gottlieb, destacou a precariedade de outros abrigos, onde há apenas um chuveiro para cada 200 pessoas.

O instituto, presidido pela ex-deputada federal Manuela d’Ávila, criou espaços de acolhimento dedicados às mulheres e crianças, uma medida que, segundo Gabriele, deveria ter sido implementada pelo poder público. Em Porto Alegre, há pelo menos três outras moradias provisórias exclusivas para mulheres e crianças, mas a demanda ainda é maior que a oferta.

A advogada Thais Constantin ressalta a necessidade de um sistema de prevenção dentro dos espaços de acolhimento para evitar crimes e garantir atendimento especializado às vítimas. As denúncias podem ser feitas via Polícia Militar (190), Polícia Civil (197), Central de Atendimento à Mulher (180) e Disque Denúncia (181), além da plataforma SOS RS, criada pela Contato Seguro e Doc9 para combater problemas nos abrigos.

Aumento de notificações

A Secretaria de Segurança do Estado informou que a convivência nos abrigos tem facilitado a notificação de casos que, antes, ficavam escondidos nos lares. A polícia tem atuado e realizado prisões conforme as denúncias são confirmadas, embora o número de ocorrências não tenha sido divulgado.

Carolina Aguirre da Silva, presidente do Conselho Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente, explica que uma força-tarefa verifica todas as denúncias recebidas, encaminhando os casos procedentes à Polícia Civil e garantindo acompanhamento às famílias, inclusive psicológico.

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