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Polêmica

Justiça Militar alega que foi 'necessário' pisão de PM em pescoço de mulher negra em SP

O crime aconteceu em março, em Parelheiros

PM foi filmado pisando no pescoço de mulher negra em Parelheiros (SP) - Imagem: Reprodução/Twitter @cfernandes_23
PM foi filmado pisando no pescoço de mulher negra em Parelheiros (SP) - Imagem: Reprodução/Twitter @cfernandes_23

Mateus Omena Publicado em 01/09/2022, às 11h37


A Justiça Militar do Estado de São Paulo declarou que foi "necessário" que o soldado João Paulo Servato, da Polícia Militar, pisasse no pescoço de uma mulher negra, de 53 anos, para imobilizá-la. O polêmico episódio aconteceu em maio de 2020 em Parelheiros, na Zona Sul de São Paulo.

Serverato e o cabo Ricardo de Morais Lopes, que também participou da ação, foram absolvidos na última semana. A sentença foi publicada na terça-feira (30) pela Justiça Militar.

A Justiça disse que pisar no pescoço da mulher não causou "qualquer lesão". No final, os PMs foram absolvidos das acusações de abuso de autoridade, falsidade ideológica e inobservância de regulamento. A decisão foi tomada por três votos a dois a favor dos dois homens.

Os três oficiais que votaram pela absolvição dos policiais militares afirmaram que as imagens que foram anexadas no processo "mostraram menos de 10% de tudo o que ocorreu" e que, por isso, não podem "comprovar o que ali aconteceu e a verdadeira dinâmica do evento".

Por outro lado, os oficiais alegaram que os civis que "resistiram à abordagem policial" estavam alcoolizados e sob efeito de drogas, desrespeitaram os policiais. Já os civis negam a versão apresentada pelos PMs.

Eles apontaram que a mulher, por ter ameaçado os PMs com um rodo, levou "o golpe que fez com que ela caísse ao chão". Defenderam também que "a fratura na perna [da mulher] não foi algo pretendido pelo policial, a não ser para fazer cessar as agressões que experimentava".

“No calor dos acontecimentos, não há como se exigir um golpe um pouco mais fraco ou forte de quem está envolvido em evento daquela natureza, mesmo se tratando de uma pessoa que deve arrostar o perigo e foi preparada para tanto”, diz a sentença da Justiça Militar de São Paulo.

Avaliação das agressões

Os oficiais que votaram a favor da absolvição dos PMs argumentaram que "havia necessidade do uso de força" para que PMs não fossem mais agredidos, pois o ato foi justificado pela "pela postura dos civis".

Em relação ao pisão no pescoço da vítima, eles apontam que "embora tecnicamente incorreta", a postura do PM Servato em colocar o pé sobre o pescoço da vítima "não produziu qualquer lesão", "nem mesmo um edema ou eritema".

Apesar de tal "procedimento" ser "indesejável", "foi avaliado como não criminoso e necessário em razão de tudo o que ali ainda estava ocorrendo e que não foi filmado".

Os únicos que discordaram da decisão do conselho especial da Justiça Militar foram o juiz de direito José Álvaro Machado Marques e o capitão Marcelo Adriano Brandão. Para eles, o conteúdos mostrados nos vídeos “não encontra respaldo na lei no sentido de justificar ou afastar a ilegalidade da conduta adotada pelos réus".

Por isso, o juiz e o capitão Brandrão apoiaram a condenação dos PMs, com pena de um ano de reclusão, mais três meses de suspensão do exercício de funções. Para o PM Ricardo, foi sugerido um ano e seis meses de reclusão, e mais três meses de suspensão, para o PM Servato.

Sobre a agressão à vítima, o juiz e o primeiro oficial alegaram que "a lesão corporal está comprovada pelo laudo de exame de corpo de delito" e que a autoria do ferimento "é incontestável e foi provocada pela ação do acusado Servato". Eles concordaram que houve abuso de autoridade.

Trauma

Em 30 de maio de 2020, uma mulher negra, cuja identidade é mantida sob sigilo, teve seu pescoço pisado e a perna quebrada pelo soldado ao tentar impedir a agressão dos policiais contra dois clientes do seu comércio.

Em nota, o advogado da vítima, Felipe Morandini, disse que a sentença "explana de forma bastante completa os fundamentos, a maioria completamente fora da realidade, pelos quais os policiais militares foram absolvidos".

E acrescentou: "A fundamentação da absolvição causa revolta, e merece reforma. Trabalharei lado a lado com o Ministério Público para a reforma desta absurda e revoltante absolvição", disse.

Procurada pela imprensa, a mulher revelou que tem medo de sair de casa e de se relacionar com as pessoas após o episódio. A comerciante ficou dois anos e um mês sem sair de casa depois da agressão. Ela voltou a trabalhar e a sair de casa há pouco mais de um mês. Ela e a família temem represálias por parte dos policiais.

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