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Alckmin diz considerar de ‘mau gosto’ peça que terminou com ator preso

O ator Caio Martinez Pacheco, que foi algemado durante a apresentação, afirma que sua prisão foi injustificável e diz que sofreu humilhação por ter sido

Alckmin diz considerar de ‘mau gosto’ peça que terminou com ator preso
Alckmin diz considerar de ‘mau gosto’ peça que terminou com ator preso

Redação Publicado em 01/11/2016, às 00h00 - Atualizado às 12h35


‘Goste ou não, é um direito das pessoas’, disse o governador nesta terça.
Artista foi preso em Santos em peça que critica a atuação da PM.

“Claro que a atitude deles [atores] foi de muito mau gosto. Você virar de ponta-cabeça a bandeira brasileira, ridicularizar quem está trabalhando, colocando até sua vida em risco para defender a sociedade, é de muito mau gosto. Agora, liberdade de expressão é liberdade de expressão. Goste ou não goste, é um direito das pessoas”, disse o governador após evento realizado nesta manhã no Palácio dos Bandeirantes, na Zona Sul da capital paulista.

O ator Caio Martinez Pacheco, que foi algemado durante a apresentação, afirma que sua prisão foi injustificável e diz que sofreu humilhação por ter sido retirado de seu ambiente de trabalho. O artista conta ainda que foi agredido no momento em que era colocado na viatura.

Artista foi detido por policiais militares em Santos (Foto: Reprodução)

Artista foi detido por policiais militares em Santos, no litoral de São Paulo (Foto: Reprodução)

O espetáculo ‘Blitz – O império que nunca dorme’ era encenado no domingo (30) pela ‘Trupe Olho da Rua’, na Praça dos Andradas. De acordo com o ator Caio Martinez Pacheco, o espetáculo foi fundamentado em pesquisas sobre o resultado da atuação da Polícia Militar.

Ele afirma ainda que a polícia interrompeu a peça no momento em que o hino nacional era tocado junto com uma canção de Gilberto Gil. Depois disso, o ator foi algemado e levado até o Palácio da Polícia, no Centro da cidade, onde permaneceu por cerca de quatro horas até ser liberado.

Em entrevista coletiva, Caio contou que apesar da Polícia Militar ter interrompido o espetáculo com o argumento de que ele desrespeitava símbolos nacionais, todo o material mostrado já havia sido aprovado pelo próprio Governo do Estado.

“Ele foi montado a partir de um edital do Governo do Estado de São Paulo que seleciona 15 espetáculos, propostas, por ano de montagens. São 350 projetos que são inscritos para selecionar 15 e ficamos em 2° lugar no edital de 2014 para realizar em 2015. Esse espetáculo estreou em setembro de 2015 no Festival Santista de Teatro, percorreu algumas unidades do Sesc, mais de nove cidades do Estado e alguns festivais de importância nacional. Agora, em 2015, inscrevemos esse projeto com o vídeo já pronto e todos os signos que a gente apresenta em espaço público para um outro edital do Governo de Estado de circulação de obras artísticas pelo Estado de São Paulo e ele foi também contemplado em 2° lugar para circular por 11 cidades”, afirma.

Além da Polícia Militar, a Guarda Municipal também foi acionada pela própria PM para prestar auxílio durante a abordagem. A organização da peça de teatro afirma que a manifestação cultural já havia sido encenada no mesmo local cerca de 20 vezes e que essa foi a primeira vez que algo similar ocorreu.

“No município fomos contemplados com o Facult, que é um programa também que dá uma pequena ajuda por meio de edital público. Esse projeto foi enviado para a Secretaria de Cultura e o vídeo do espetáculo foi aprovado dentro de 170 inscritos. Também ficamos em 2° lugar para serem realizadas seis apresentações desse espetáculo em 2017, em Santos”.

Caio Martinez Pacheco foi detido e obrigado a prestar depoimento (Foto: Luna Oliva/G1)

Caio Martinez Pacheco foi detido e prestou depoimento no Palácio da Polícia, em Santos (Foto:Luna Oliva/G1)

‘Blitz – O império que nunca dorme’ já foi encenado em várias cidades do Estado de São Paulo e retrata as ações da Polícia Militar de maneira histórica. O grupo teatral afirma ter feito uma pesquisa por mais de um ano antes de expôr no espetáculo os números sobre mortes causadas pela instituição durante sua existência.

“A gente faz na peça um retrato histórico da instituição como, por exemplo, o grande número de jovens negros mortos. Também fazemos uma referência aos MCs mortos aqui. Isso numa linguagem muito leve, humorística, em praça pública com um grau de atuação política muito dialética. Esse espetáculo já foi feito na Praça dos Andradas cerca de 20 vezes, inclusive com viaturas que ficam ao redor da rodoviária assistindo ao espetáculo. A gente não entendeu por que ontem [domingo] ele foi interrompido de maneira brutal. Para vocês terem ideia do que isso remonta, nem na ditadura militar os espetáculos foram interrompidos e os atores presos após as apresentações”, afirma Caio.

O boletim de ocorrência registrado após a detenção do ator diz que o grupo atuava de maneira desrespeitosa  e descreve que contravenções contra símbolos nacionais, apreensão de objeto, desobediência e resistência foram presenciados durante a ocorrência. O documento diz que o hino nacional era tocado de maneira desrespeitosa e que as bandeiras do Brasil e do Estado de São Paulo estavam hasteadas de cabeça para baixo com caveiras coladas nas pontas.

Palácio da Polícia em Santos, SP (Foto: Leandro Campos/G1)

Ator foi detido e levado até o Palácio da Polícia em Santos (Foto: Leandro Campos/G1)

“Foi uma cena muito triste. Fomos cercados por diversos policiais, alguns empunhando armas. Estava acontecendo uma cena que era uma referência à pacificação estatal onde a gente executava o hino nacional em paralelo com aquela música ‘Paz’ do Gilberto Gil para criar essa dialética em relação à paz. O policial entrou em cena dizendo “desliga essa p*” e depois acusou a gente de desrespeitar o hino nacional”.

Caio afirma ainda que foi agredido pelos policiais ao ser colocado na viatura da PM após ter realizado o que ele classifica como uma ‘resistência simbólica’ e diz também que diversas outras pessoas foram ameaçadas por terem gravado toda a ação policial com celulares.

“Eles chegaram na praça sem formular uma acusação, sem citar algum artigo no qual a gente estava enquadrado. Simplesmente disseram que eu estava detido para averiguação e nesse momento começaram a recolher os celulares que estavam na praça. Além disso, também ameaçaram de processar quem publicasse o material e isso aconteceu com diversas pessoas”.

Durante a entrevista, Caio explicou que passou quase duas horas algemado de pé em uma sala no Palácio da Polícia antes de ter sido encaminhado para outro ambiente por agentes da Polícia Civil, que de acordo com ele, ouviram ambas as partes e registraram um boletim de ocorrência antes de liberá-lo.

“Eu fui humilhado no momento que interromperam um espetáculo no qual eu pesquisei com dez pessoas um ano e meio para poder fazer. Estávamos fazendo sem nenhuma verba pública por um ano, no período entre dois editais. Estamos mantendo essa iniciativa e quando você é interrompido no exercício da sua profissão a humilhação está aí, o resto foi consequência de um momento horrível que estamos vivendo onde a única medida que pude tomar era não baixar a cabeça e aceitar a situação”, conclui.

Artistas se reuniram na frente do Palácio da Polícia de Santos para acompanhar ator detido (Foto: Rodrigo Montaldi Morales / Arquivo Pessoal)

Artistas foram ao Palácio da Polícia para acompanhar ator (Foto: Rodrigo Montaldi Morales / Arquivo Pessoal)

Outro lado
O comando do Policiamento da Baixada Santista afirma que pediu os registros documentais da ocorrência e analisará a conduta dos policiais militares. A oficial que se encontrava de serviço no comando dos PM que participaram da ocorrência será ouvida, e os organizadores do evento também serão convidados a prestarem informações sobre a atuação dos policiais.

Depois disso, os procedimentos dos PMs serão avaliados, para verificar se os direitos e garantias constitucionais foram respeitados e se a ação policial atendeu os procedimentos operacionais padrão e legalidade.

Protesto
Já o Movimento Teatral da Baixada Santista emitiu uma nota onde repudia a ação da Polícia Militar, que utilizou mais de seis viaturas com apoio da Guarda Municipal para algemar um “trabalhador da cultura a partir da censura após cinco minutos de um espetáculo de rua, em temporada na mesma praça há um ano, e que teve sua produção financiada pelo próprio Governo Estadual”.

Ainda de acordo com a instituição, a peça teatral reflete a violência policial, baseada em reportagens, teses acadêmicas e relatórios sobre a instituição policial brasileira. Entendendo a urgência do tema e a estética do grupo, o Governo Estadual contemplou a produção artística.

A Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) também se manifestou sobre o ocorrido e manifestou repúdio pelo ato de violência entre os artistas e policiais militares durante a encenação da peça teatral. A OAB Santos informa ainda que os fatos devem ser apurados  com prudência para evitar conflitos e mostra preocupação com relação à censura prévia pela manifestação da arte cultural que deve ser livre.

Peça conta com apoio do Governo do Estado (Foto: Divulgação)

Peça conta com apoio do Governo do Estado (Foto: Divulgação)

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