por Marcus Vinícius De Freitas
Publicado em 06/03/2024, às 06h51
Ao assegurar uma ampla vitória nas primárias do Partido Republicano, realizadas na famosa “Superterça”, Donald Trump agora com uma decisão favorável da Suprema Corte inicia uma campanha que, ao que tudo indica baseado nas pesquisas, o reconduzirá à Casa Branca, quatro anos depois de haver sido defenestrado por Joe Biden, o atual presidente.
Num cenário ideal para uma democracia saudável, nenhum dos dois deveria ser candidato a presidente: Biden em razão da sua idade avançada e sinais claros de senilidade – que lhe retiram o dinamismo para ser o presidente daquele que já foi o país mais importante do sistema internacional e o “liderança do mundo livre” – e Trump devido ao fato de ter sido um mau perdedor, praticamente levando os Estados Unidos a um caos institucional por não aceitar o resultado das urnas que lhe haviam dado vitória quatro anos antes. E foi através de uma das instituições que Trump vociferou contra que a sua candidatura foi validada.
A Suprema Corte norte-americana – reconheça-se – agiu sobriamente quanto à questão da elegibilidade de Trump. Afinal, cabe ao povo e não a um punhado de juízes não eleitos e sem representatividade popular, escolher a liderança de sua nação. A função de guardião da democracia reside na proteção da constituição do país e da vontade popular. E não à monocracia representada por um juiz ou colegiado. Com isto, a Suprema Corte dos Estados Unidos serviu, uma vez mais, como um farol contrário aos arroubos autoritários que temos observados em outros tribunais espalhados pelo mundo.
Mantidas as condições atuais, Trump tem altas possibilidades de reeleger-se. Embora a economia norte-americana esteja bem – sem ainda ter-se recuperado plenamente dos efeitos da crise econômica de 2007 e da pandemia da Covid-19 – Biden, cuja forma é distinta de Trump, mas cujo conteúdo lhe é muito próximo, equivocou-se, particularmente, na questão migratória. Ao falhar no combate à migração e tendo delegado a questão, inicialmente, a uma vice-presidente inepta para cuidar da situação, Biden logrou, inclusive, perder o apoio da comunidade latina, inimiga ferrenha da entrada de imigrantes ilegais no país em razão do impacto reputacional e laboral que os imigrantes ilegais trazem representam.
Trump deverá relembrar os norte-americanos sobre os fracassos de Biden, destacando, internacionalmente, a saída desastrada do Afeganistão, a guerra na Ucrânia e a situação terrível em Gaza. Em todos os sentidos, a liderança norte-americana falhou e apequenou-se globalmente, apesar de Biden afirmar que os Estados Unidos estavam de volta ao multilateralismo.
O fato é que, contrariamente à eleição que levou Bill Clinton à Casa Branca na década de 1990, baseada na situação econômica, o eleitor norte-americano parece entender a economia como um aspecto importante, mas não mais como aquele que determinará o seu voto. Se fosse somente pela questão econômica, Biden deveria liderar com tranquilidade. Não é o caso.
O retorno de Trump à Casa Branca preocupa o mundo com relação ao tipo de presidente que Trump 2.0 será. Terá ele a grandiosidade de abandonar o espírito revanchista contra aqueles que fizeram aquilo que ele chamou de “caça às bruxas” quanto à sua atuação na Casa Branca? Como Trump se relacionará com os líderes europeus que manifestaram alívio quando o viram fora da presidência? Qual será o futuro da Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN) após os equívocos de atuação na Ucrânia? Conseguirá Trump sobrepujar os desafios de personalidade que ele sabidamente tem quanto aos seus inimigos? Resistirão as instituições aos desafios que ele poderá impor? E a liberdade de imprensa, particularmente com as mídias que lhe prejudicaram substancialmente durante sua presidência por sua imparcialidade?
Enfim, muitas questões existem quanto ao retorno de Trump. O mundo, certamente, é muito diferente do que há quatro anos. É preciso reconhecer que, de fato, o mundo se tornou mais inseguro com Biden à frente da Casa Branca. As provocações à Rússia, o apoio irrestrito ao governo de Israel na Palestina, o uso abusivo das sanções contra os países que lhe são contrários dentro das Nações Unidas, e a utilização do dólar como instrumento bélico são alguns dos erros de Biden que diluíram a autoridade moral – já em queda há décadas – dos Estados Unidos durante a administração Biden. Trump também encontrará uma China mais assertiva e sólida em suas parcerias, uma Europa empobrecida pelo custo da energia, um Sul Global muito mais reticente com a persuasão moral dos Estados Unidos e uma Rússia revigorada por haver resistido aos equipamentos e à atuação velada da OTAN na Ucrânia.
Enfim, Trump 2.0 é uma dúvida global. Mas assim é a democracia como sistema. Mesmo no país mais importante do sistema internacional, a democracia convalesce na UTI porque deixou de basear-se no mérito e passou a depender do carisma, abandonou os valores pela hipocrisia, e adotou o conflito ao invés da sinergia. Restaurará Trump a democracia ao seu esplendor? Ao que tudo indica, nem de perto.
Para o Brasil, parceiro histórico dos Estados Unidos, há quase dois séculos, a perspectiva do tempo é importante, particularmente para compreender que governos passam e a relação entre Estados permanecem. Construir sinergias, fortalecer outras parcerias e compromissos de longo prazo constituem elementos importantes de manutenção da relevância global.
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