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COLUNA

Coexistência Pacífica: 70 Anos

Em 28 de junho iniciou os Cinco Princípios de Coexistência Pacífica. - Imagem: Reprodução | Xinhua
Em 28 de junho iniciou os Cinco Princípios de Coexistência Pacífica. - Imagem: Reprodução | Xinhua
Marcus Vinícius De Freitas

por Marcus Vinícius De Freitas

Publicado em 10/07/2024, às 06h00


Se há preocupações que surgiram no fatídico debate entre Joe Biden e Donald Trump no contexto eleitoral norte-americano foram a falta de ideias, projetos e perspectivas dos dois candidatos para os Estados Unidos e, por consequência, para todo o mundo. Os Estados Unidos, que, desde o fim da Segunda Guerra Mundial e, particularmente, após o fim da Guerra Fria com a União Soviética, deram o tom do desenvolvimento global e das relações internacionais, paulatinamente vêm-se transformando num país sem grandes propósitos (além da manutenção da hegemonia), inovações ou mesmo possibilidades diferentes. Washington, que sempre foi um farol de esperança para muitos povos que viviam situações desesperadoras, perdeu o brilho. Esta falta de resplendor e idealismo têm levado o país a transformar-se numa potência ensimesmada e utilitária nos seus relacionamentos globais. Com isto, o poder de influência norte-americano – embora relevante – vai-se esvaindo pelos erros cometidos pela política errática daquele país e de seus quadros dirigentes.

Do outro lado da equação, surge a China que tem tido, nos últimos 70 anos, em sua política externa, uma coerência difícil de encontrar nos seus parceiros ocidentais.O gigante asiático logrou, particularmente nas últimas três décadas, consolidar-se como uma força estabilizadora global para a paz, abertura econômica e desenvolvimento global. Atualmente, Beijing lidera o crescimento e desenvolvimento global e não mais Washington. Iniciativas como a Nova Rota da Seda e outras inúmeras enfatizando a questão do futuro compartilhado, evidenciam uma disposição efetiva da China em atuar com os países do Sul Global para construir uma nova realidade e enfrentar os inúmeros desafios globais.

Engajar a China constitui um dos grandes desafios atuais. O país asiático, que até pouco tempo era um país relativamente atrasado, surpreendeu na rapidez com que atingiu novos patamares de desenvolvimento, crescimento econômico e influência global. Desde o início do processo de Reforma e Abertura, iniciada por Deng Xiaoping, em 1978, a China tem sido um enigma no sistema internacional, com diferentes estratégias para lidar com os desafios impostos por uma nova ordem mundial, com a mudança do centro econômico do mundo para a Ásia.

Há setenta anos, em 1954, a China apresentou os Cinco Princípios de Coexistência Pacífica, que têm norteado a sua polícia externa e atuação global. Os princípios - respeito mútuo pela integridade territorial e soberania, não agressão, não interferência nos assuntos internos alheios, igualdade e benefício mútuo e coexistência pacífica – têm sido amplamente reconhecidos pela comunidade internacional e crescem em importância à medida que a China ascende globalmente até mesmo para determinar qual será comportamento da China internacionalmente. 

Num mundo conturbado como o atual, tais Princípios assumem importância cada vez maior. A atuação do Ocidente, responsável por muitos dos problemas geopolíticos que enfrentamos – terrorismo, guerras civis, migração massiva e instabilidade enfrentada por estruturas coloniais do passado – precisa ser substituída por novos paradigmas que reflitam uma nova realidade e não uma subserviência a um passado colonial. É interessante observar como a China, em seu processo de consolidar vitalidade e relevância, tem-se recusado a tomar o caminho da hegemonia. Em sua ação global, notamos uma China que tem buscado, através da paz e segurança, solidificar-se para atuar construtivamente em crises como Ucrânia, Gaza, e em outras partes do mundo.

Ao comemorar os 70 anos dos Princípios de Coexistência Pacífica, a China, uma vez mais, enfatizou o compromisso de manter o princípio de igualdade soberana, advogando por um mundo cada vez mais multipolar em que todos os países possam atuar e buscar o seu próprio desenvolvimento.

A consolidação do respeito mútuo, levando em consideração as heranças e tradições, constitui uma das preocupações fundamentais de Beijing no caminho do desenvolvimento. Para tanto, a China preconiza uma atuação de não interferência estrangeira em assuntos domésticos dos países, com particular ênfase na autodeterminação dos povos. Além disso, ao refletir sobre os Princípios de Coexistência, a China enfatiza a necessidade de um aumento do desenvolvimento e segurança coletiva como forma de criar-se uma arquitetura global mais equilibrada, sustentável e efetiva.

Por fim, os Princípios de Coexistência têm tentado construir uma plataforma global para estimular a cooperação internacional, particularmente no contexto da Nova Rota da Seda para estimular maiores oportunidades de desenvolvimento. Para tanto, faz-se essencial uma reforma profunda na governança global para que o multilateralismo inclusivo, recíproco verdadeiro, possam facilitar o compartilhamento das melhores práticas entre as civilizações.

Para um Ocidente acostumado a guerras contínuas, a proposta chinesa oferece uma perspectiva pacífica. É preciso reduzir barreiras, muros, estratégias que reduzam a globalização. Se alguns dos problemas globais agora pesam no cenário eleitoral europeu e norte-americano, a realidade é que legados do passado têm-se tornado cada vez mais insuportáveis. A Coexistência Pacífica apregoada pelos chineses é uma recordação de que – embora não tão novos – há outros caminhos a serem explorados. O debate fatídico não apresentou qualquer caminho. É hora de mudar.

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