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Por que as democracias falham

Por que as democracias falham - Imagem: Reprodução | Breno Esaki - Metrópoles
Por que as democracias falham - Imagem: Reprodução | Breno Esaki - Metrópoles
Marcus Vinícius De Freitas

por Marcus Vinícius De Freitas

Publicado em 25/01/2023, às 08h57


O conceito de democracia tem variado muito desde o seu nascimento na Grécia Antiga. Nunca foi um regime perfeito, embora os seus aspectos positivos tenham sido muito superiores aos negativos, razão por que a maioria da população mundial vê na democracia um ideal para governança de um país. A participação do cidadão na vida e nas decisões de uma nação constitui um elemento essencial para assegurar legitimidade daqueles que governam e representar, no âmbito coletivo, o desejo de uma maioria quanto aos rumos que se pretendem adotar.

Ao longo da história, no entanto, o conceito de democracia tem sido vilipendiado e, particularmente, manipulado. Sob o manto da democracia, grandes atrocidades foram cometidas. Nos últimos anos, vemos a democracia sendo abusada particularmente por aqueles que deveriam usar do poder para consolidá-la e não para atender especificamente os seus interesses pessoais, que, necessariamente, são conflitivos com os desejos da maioria.

A manipulação democrática foi incrementada nas últimas décadas em razão da mídia social. Ao criarem-se bolhas de interesse, as pessoas são induzidas, em razão do algoritmo e daquilo que ingerem como informação, a aceitar como realidade teorias conspiratórias, notícias falsas, e, principalmente, inverdades que tendem a exacerbar as diferenças ao invés de consolidar o convívio harmônico social. Ao criarem-se tribos nas mídias sociais vemos  crescer ideários que tendem a enfatizar este ou aquele grupo como superior aos outros em razão de suas perspectivas, história ou até mesmo sofrimentos comuns. De fato, em alguns casos, assemelham-se muito a grupos religiosos que pretendem afirmar um determinado monopólio da divindade e da verdade.

Com isto, a democracia que deveria ser o regime que aproxima os indivíduos vem-se transformando no maior divisor social que existe. Ao assumirmos uma postura belicosa com aqueles que pensam diferente, a sociedade deixa de evoluir e progredir. É, portanto, essencial recordar que o indivíduo é importante, mas a coletividade é fundamental para que uma nação floresça.

O voto, símbolo maior da democracia por décadas, também tem sido abusado. Muitos processos eleitorais não têm sido muito pristinos ou tem utilizado indecentemente os meios de comunicação ou judiciais para favorecer um determinado candidato, num verdadeiro abuso do eleitorado. Além disso, a prevalência das inverdades e das promessas vazias também exploram a ignorância do eleitor. É por este motivo que um dos fenômenos mais observados nas democracias modernas é o chamado “remorso do comprador” – quando o indivíduo faz uma compra e imediatamente se arrepende por aquilo que adquiriu. No caso das democracias ocidentais, o eleitor escolhe um candidato e se arrepende imediatamente após o voto. Eleger e arrepender-se constituem um binômio das sociedades atuais.

O fato é que não elegemos indivíduos por mérito e capacidade, mas sim por carisma, agenda e por interesse de lideranças partidárias. Isto não é bom, nem saudável. Até porque, ao afastarmos o mérito como elemento principal de uma decisão eleitoral, começamos a dividir a sociedade ainda mais. A polarização política é o grande mal deste período do século XXI. A polarização destrói o centro democrático e arruína uma comunidade, afinal, uma casa dividida não sobrevive. Resguardar a democracia, no entanto, não é papel de um só indivíduo ou um grupo reduzido. É dever de toda uma coletividade. A grande beleza da democracia é igualar a todos no voto. É o seu maior trunfo e a maior preocupação. A democracia não precisa de salvadores ou tutores. Ela precisa de amantes, dispostos a mantê-la sempre acesa e viva como ideário de uma nação.

Além do voto, uma das características fundamentais das democracias ocidentais modernas tem sido a pacífica transição de poder entre grupos opositores. Eventos como 6 de janeiro de 2020, nos Estados Unidos, e 8 de janeiro de 2022, no Brasil, são incompatíveis com a preservação da democracia. As manifestações são livres e independentes. Aliás, com o distanciamento do poder representado pelo deslocamento da capital brasileira para Brasíliae, também, a corrupção que impera resultante desse distanciamento, é natural que manifestações ocorram até para impedir que conchavos e grupelhos assumam o total comando da nação. Os direitos às liberdades de expressão, manifestação e de associação política constituem um histórico do processo de avanço das democracias ocidentais. Retirá-los ou reduzi-los é uma afronta à luta histórica travada por séculos para exercê-los. No entanto, a responsabilidade por atos de vandalismo, particularmente ao patrimônio público – resultante dos tributos de toda uma coletividade – devem ser punidos severamente, como crimes ao patrimônio e como delito grave.

Obviamente que impor a lei e executá-la é algo muito mais difícil quando se tem a noção de que o escalão superior da sociedade muito pouco de exemplar tem em sua conduta. De Brasília se deveriam esperar bons exemplos. Não é o caso desde 21 de abril de 1960. Para um país empobrecido de heróis e exemplos, o estopim está sempre prestes a ocorrer.

Democracias falham quando a população – e principalmente seus representantes – a tratam com menosprezo, quando indivíduos pretendem ser maiores que instituições e o populismo impera. O problema – por certo – reside em compreendermos a democracia como um produto, que selecionamos a cada ciclo eleitoral. Esta compreensão da democracia como produto – e não como processo – é equivocada e impede-nos de compreender a real importânciada democracia como forma de administração de uma sociedade.

Por fim, é importante enfatizar que os países compreendem a democraciade maneira diferente. Não é uma fórmula única ou só uma apresentação. Mas o mais importante de tudo é que a população se sinta, de fato, representada e tenha nas mãos a conduta da sua nação. A democracia é um ativo fundamental que requer profundos cuidados.

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