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COLUNA

O desafio da polarização

Polarização política. - Imagem: Reprodução | Juca Varella/Agência Brasil
Polarização política. - Imagem: Reprodução | Juca Varella/Agência Brasil
Marcus Vinícius De Freitas

por Marcus Vinícius De Freitas

Publicado em 07/02/2024, às 11h48


Dentre os muitos desafios que a humanidade enfrenta, atualmente, a polarização política é, sem dúvida, uma das principais preocupações, cujas consequências são exorbitantes. A polarização impede o avanço das sociedades, principalmente por ter transformado a política num jogo de soma zero, em que o grupo que vence, ao invés de buscar consenso, tenta eliminar o oponente para perpetuar-se no poder.

Não há mais mérito nos altos escalões. A amizade, a subserviência e a bajulação praticamente erradicaram a questão do mérito. Os governos já não refletem o melhor da sociedade, mas sim uma relação de amizade, interesse e proximidade. Separaram-se as tribos e cada uma passa a alimentar-se e a retroalimentar-se de uma bolha de informação que pouco melhora, efetivamente, a busca de soluções para os grandes desafios enfrentados pelas sociedades. Desta polarização resulta um processo ineficiente de solução para os grandes desafios nacionais e globais. Pouco se avança, pouco se melhora diante das infinitas possibilidades que a colaboração e cooperação humana poderiam alcançar, particularmente quanto ao incremento de renda, melhoria de vida e desenvolvimento humano.A era da mídia social também favoreceu a uma exacerbação nos comportamentos, análises e perspectivas. Tudo, praticamente, passou a ser dividido em linhas ideológicas, com um apego quase religioso a lideranças políticas que assumem papéis messiânicos em sua atuação.

O mundo ocidental enfrenta três grandes desafios: a quebra da ordem geopolítica, com a ascensão da China como potência global, a perenidade inflacionária elevada, com a redução do nível de produtividade, investimento e crescimento reduzido, e os desafios ambientais – clima, água e biodiversidade. Estes desafios globais requerem lideranças ao centro do espectro político, que saibam identificar a dificil navegação e as ações requeridas para enfrentar tais desafios. Para vencê-los, é necessário sobrepujar o debate comezinho imposto pela polarização política, criar oportunidades e avançar numa agenda que é comum a todos, independentemente do grupo político que esteja no poder. A vitória eleitoral deve ser baseada não na crítica implacável do adversário nem pelo estímulo à polarização, mas sim pelo desenvolvimento de um clima de otimismo quanto aos melhores dias que ainda estão por vir e na efetividade da implementação de novas propostas que gerem e melhorem o bem-estar coletivo. O eleitorado também precisa desradicalizar-se para o bem da sociedade.

Os problemas globais – um espectro ainda maior – jamais serão resolvidos pelo populismo ou pela polarização política. A incapacidade de dialogar não leva à construção de um mundo resiliente, capaz de construir novas pontes para o desenvolvimento. Num mundo em que a natureza ensina, de modo primoroso, a necessidade constante de cooperação entre a flora e fauna, é um equivoco a humanidade ainda acreditar em salvadores da pátria ou soluções individuais. A resposta não está nos extremos.

O fato é que, nas últimas décadas, o Ocidente parece ter-se dedicado a questões de menor relevância para a manutenção da sua posição. Enquanto a Ásia discute como incrementar a renda per capita, o Ocidente discute a liberação de drogas, cujo impacto negativo se fará sentir por gerações. Enquanto a Ásia discute Inteligência Artificial e Inovação Energética, o Ocidente discute a questão de banheiro para transgêneros.O Ocidente se perdeu nas últimas décadas. Não se sabe ainda se foi por preguiça, arrogância ou desídia. Só o tempo dirá.

Esta agenda ideológica depauperada jamais discute o que realmente importa ou o que melhora, de facto, a vida da população. Políticos adoram discussões infindáveis porque lhes retira o fardo de governar com resultados. Enquanto na Ásia, o pragmatismo na ação prevalece, no Ocidente, observamos que o bem-estar econômico coletivo jamais constitui o elemento número um da atividade de um agente público – eleito ou não eleito.

Vivemos num mundo que crises se tornaram ainda mais correntes: pandemias, crises econômicas e financeiras, e desafios ambientais crescentes. Estas crises não são políticas, mas reais. Requerem preparo para prevenir e estratégia para enfrentar e não ideologias, messianismos ou debates. É preciso desradicalizar o debate político, sob pena de, como sonâmbulos, caminharmos a guerras civis.

A pandemia da Covid-19, que muitos já parecem ter esquecido, revelou o quanto é necessária uma classe política capaz de governar com inteligência os momentos mais desafiadores da vida de uma nação. Infelizmente, como ficou evidenciado, políticos fracos ideologizaram a pandemia e transformaram um assunto de saúde pública numa questão de debate eleitoral. A receita da tragédia não poderia ter sido pior.

Precisamos retornar ao básico nas discussões para focar ações e alcançar resultados. O contrato social de uma população com seu governo é o da segurança. Sem segurança, não há viabilidade na vida do cidadão. A outorga do monopólio da violência nas mãos do Estado é um vínculo quase sagrado do cidadão com os governantes. O cidadão entrega ao poder público o direito de vida ou de morte para que o Estado o proteja. E o que vemos é um estado falido na questão da segurança, com a polarização política retirando o foco deste que é um assunto essencial da vida de uma nação.

Vivemos num período trágico da história das democracias. Não se pode deixar que a polarização – esquerda/direita, candidato A/candidato B, ou assunto X/assunto Y, sejam os elementos definidores de uma eleição. A pergunta sempre deve ser: você está hoje melhor que há quatro anos, quando este governante foi eleito? Se a resposta for negativa, troque.

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