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Sem planos, sem futuro

Sem planos, sem futuro - Imagem: Reprodução/Pexels
Sem planos, sem futuro - Imagem: Reprodução/Pexels
Marcus Vinícius De Freitas

por Marcus Vinícius De Freitas

Publicado em 04/09/2024, às 09h56


O vazio de ideias que persiste no debate político brasileiro e global é assustador. Nas democracias ocidentais, o conteúdo é praticamente inexistente. Discutem-se a forma, a posição ideológica e caráter. Mas o que é, efetivamente, substancial, não. De fato, os partidos se assemelham muito numa característica: estão todos vazios de ideias e planos.

As poucas ideias apresentadas, de fato, são risíveis. Afinal, na realidade, nenhum candidato parece disposto, efetivamente, a resolver os problemas que afligem as populações. A falta de visão e perspectiva quanto ao futuro que se pretende construir é preocupante. Isto não é exclusividade da eleição municipal em São Paulo. É observado globalmente, inclusive naquela que é, por enquanto, a eleição mais importante, que ocorre nos Estados Unidos. O confronto entre Donald Trump e Kamala Harris evidencia uma ausência profunda de novas ideias ou liderança transformadora. A discussão é comezinha: se Harris é afrodescendente o suficiente ou se Trump é uma ameaça à democracia.

Apesar de Harris contar com um apoio massivo da imprensa norte-americana, a lua-de-mel parece estar chegando ao final, à medida que a candidata democrata começa a expor algumas das suas idéias. E Trump incorre dificuldades se não alterar um pouco a forma como faz campanha e se apresenta aos indecisos.

O fato é que as democracias ocidentais estão falhando, por vários motivos, e há vários fatores que explicam esta realidade. Em primeiro lugar, observamos um aprofundamento nas divisões políticas, com eleitorados cada vez mais polarizados. Esta polarização dificulta, por certo, o consenso sobre as questões mais importantes, criando impasses e deteriorando a governança da sociedade.

Com isto, o Estado fica mais ineficiente e a política se torna o palco de entretenimento não de discussões sérias sobre os caminhos a serem percorridos para incrementar a competitividade, eficácia, e, por fim, o bem-estar coletivo, mas sim por aquilo que é menos irrelevante. A polarização política encontra na idiotice ideológica uma fonte constante de alimentação, sob a crença de que uma ou outra perspectiva levará, efetivamente, à resolução dos problemas existentes. Ao reduzirmos todo o debate político a uma questão dual constante de conflito entre o bem e o mal, um lado certo e o outro errado, geramos uma sociedade esquizofrênica que não compreende que a solução resulta de uma mente aberta para absorver o que há de melhor em cada lado.

Um outro fator importante observado na falha da democracia é a ampliação da desigualdade econômica, em que os benefícios do crescimento econômico não são compartilhados de maneira equitativa, o que acelera o declínio na confiança das instituições e, principalmente, no Estado. Além disso, existe um abuso das instituições existentes por aventureiros que se aproveitam da polarização para amealharem poder e riqueza em razão do caos existente e, assim, solidificar sua atuação no poder.

É por este motivo que cada vez menos se confia no Poder Judiciário na maior parte dos países e também nos partidos políticos. Com isto, as instituições governamentais ficam cada vez mais fragilizadas para atuarem na resolução dos enormes desafios existentes.

Não há dúvida de que as democracias ocidentais necessariamente têm levado a uma ascensão e consolidação do populismo. Pelo fato de que os candidatos são escolhidos mais por seu carisma do que por suas ideias, propostas, planos ou perspectivas, é muito fácil que candidatos utilizem do populismo como forma de alcançar o poder, principalmente quando se apresenta uma visão dualística sobre o poder. E encontrem na desinformação – ou até mesmo na oposição exacerbada da imprensa militante – o oásis para proliferarem suas ideias e ações. Além da questão do carisma – e não do mérito – prevalecer, o populismo tende a exacerbar o descontentamento com o status quo, no sentido de dar àquele que manipula a população o poder para enfraquecer as normas e instituições existentes.

Para piorar o cenário, a mídia tem abandonado o necessário afastamento que deveria ter das questões, muitas vezes agindo mais como juíza e torcida do que instrumento efetivo de jornalismo e de fonte de informação pristina. Até mesmo a mídia tradicional – infelizmente – passou a disseminar desinformação e erodir a realidade dos fatos. Ademais, para piorar, as mídias sociais, em razão dos algoritmos utilizados, criam bolhas de informação equivocada e falsa.

Observamos, ainda, uma carência devastadora de lideranças, tanto nas universidades, nas empresas e na política. Os políticos, em particular, parecem estar fora de contato com as preocupações dos cidadãos comuns, além de perderem a capacidade de inspirar as populações a almejarem dias e futuros melhores. O fato é que políticos – na saga de obter curtidas nas mídias sociais – não são mais eleitos por sua capacidade de governar, executar e inspirar, mas sim por seu apelo ao público.

É interessante notar, por exemplo, que, na China, espera-se que a liderança política do país também tenha um viés intelectual ao compartilhar sua perspectiva de governança e planos para a sociedade chinesa.

O declínio democrático no Ocidente é claro. A cada ciclo eleitoral, o remorso do eleitor é sentido logo após o voto ser depositado na urna. Com isto, a resiliência histórica das democracias ocidentais tem diluído e o futuro da democracia é preocupante, porque como se encontra, parece cada vez mais difícil de ter capacidade de enfrentar e adaptar-se diante de novos desafios e de renovar-se!

Embora o futuro seja imprevisível, ele ainda pode ser planejado. Mas sem planos, não há futuro.

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