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COLUNA

O clamor de Hiroshima

Enola Gay - Imagem: Reprodução | YouTube
Enola Gay - Imagem: Reprodução | YouTube
Marcus Vinícius De Freitas

por Marcus Vinícius De Freitas

Publicado em 07/08/2024, às 06h00


Era uma segunda-feira ensolarada e calma aquele 6 de agosto de 1945. Um dia normal, se pode haver um dia normal durante uma guerra devastadora. As pessoas acordaram e seguiram seus afazeres diários. As crianças foram às escolas. Os pais aos seus locais de trabalho. A rotina seguia normal. O sol brilhava radiante na Terra do Sol Nascente naquele lindo dia de verão e a expectativa era de que aquele seria mais um dia no calendário da vida. Com seus desafios e realizações. A expectativa seguia igual: vencer a batalha de mais um dia, enfrentar os desafios, seguir adiante e construir um legado.

O sol brilhava e muito. O mesmo sol que aquece a nossa alma e nossos dias e que, com um raio divino, ilumina a Terra, este condomínio que compartilhamos, e faz crescer a vegetação e nos sinaliza com uma esperança renovada de cada dia. De repente, às 8h16, um bombardeiro norte-americano, batizado como Enola Gay – nome esse dado em homenagem à mãe do piloto que o conduzia – lançou a primeira bomba atômica sobre a cidade de Hiroshima. O mundo nunca mais foi o mesmo. O sol jamais foi o mesmo.

Oitenta mil pessoas morreram imediatamente. Trinta e cinco mil ficaram feridas. E mais sessenta mil pessoas morreriam até o fim daquele fatídico ano de 1945 como resultado da bomba assassina. Das noventa mil edificações existentes em Hiroshima, somente vinte e oito mil resistiram e ficaram em pé. Dos duzentos médicos antes da bomba, somente vinte sobreviveram ou mantiveram a capacidade para trabalhar. Dos 1780 enfermeiros, somente cento e cinquenta sobreviveram para atender os enfermos e os mortos. Trinta e nove escolas foram destruídas,8187 estudantes feridos, 6.268 estudantes mortos e 132 professores mortos.

Três dias depois, numa quinta-feira, às 11h02 do dia 09 de agosto de 1945, em outra cidade, localizada a trezentos quilômetros ao sul de Hiroshima, um outro bombardeiro B-29, lançaria uma outra bomba atômica em Nagasaki, aniquilando cerca de oitenta mil vidas. Uma bomba cuja explosão correspondia a vinte e duas mil dinamites.

Os ceús escureceram e o sol verteu lágrimas diante daquela enorme devastação. Um cemitério a céu aberto de esperanças, sonhos, realizações e futuros. Quanto o mundo perdeu com aquelas vidas que partiram sem ter a oportunidade de seguir o seu trajeto comum de nascer, viver e, um dia, após construir um legado, morrer.

A voz de Hiroshima e Nagasaki vem das cinzas dos corpos daqueles homens e mulheres, crianças e adultos, que ao contemplar o céu, que representa o maior dos nossos limites, a nossa maior esperança, dele viram cair destruição e morte. É como se os homens pudessem retirar de algo tão lindo quanto o firmamento e o sol a sua mais pura beleza. É como se Divina Providência, por um milésimo de segundos, virasse o seu rosto e se esquecesse de nós e da maravilhosa Criação.

Há alguns anos estive em Hiroshima, a convite do Governo do Japão, num belíssimo programa por eles organizado chamado Juntos. Por dez dias, percorremos o Japão, conhecendo o seu povo, a sua disciplina e a sua enorme resiliência em face da adversidade. Comovi-me, em particular, durante a visita a Hiroshima, ao conversar com Sadao Yamamoto, um sobrevivente daquele terrível dia, 6 de agosto de 1945. Ao final de sua impressionante exposição, tive a oportunidade de conversar rapidamente com ele. Dele ouvi o seguinte conselho: “leve a mensagem de Hiroshima adiante”. E qual é essa mensagem?

“Que todas as armas nucleares e guerras desapareçam e que as nações vivam em verdadeira paz!” Que linda a mensagem que nasceu daquelas cinzas e daqueles que morreram naquelas trágicas manhãs de agosto de 1945. Não às armas nucleares, mas, principalmente, não às Guerras. E sim à paz. Um alto e altivo sim à paz.

Vivemos em um mundo conturbado. Em todo noticiário que assistimos vemos tristeza em todos os lugares. A Terra se tornou um verdadeiro vale de lágrimas. Um vale da sombra da morte, porque nos esquecemos que todos somos irmãos, que compartilhamos este condomínio durante um período de nossa existência, e que devemos deixar um mundo melhor do que encontramos.

Muitas vozes, hoje, neste dia, nesta hora, sofrem caladas, em razão de suas circunstâncias, pobreza, guerra ou conflitos pessoais. Milhares de pessoas perderam suas vidas em Gaza, Israel, Síria, Iraque, Afeganistão, Ucrânia, Líbano, dentre outros. Muitas vidas estão sendo ceifadas pelo amor à guerra e não à paz.

As cinzas de Hiroshima e Nagasaki falam hoje mais alto do que há 79 anos. Elas nos inspiram. Elas nos incentivam. Elas nos relembram. E, o mais importante, elas nos convidam a agir. A não deixarmos que os homens se transformem em seus maiores inimigos. E que a paz seja sempre o nosso maior objetivo.

Jamais me esquecerei do dia em que visitei Hiroshima. Ao olhar cada monumento, cada pedaço daquele lindo memorial, era como se eu tivesse me transportado para aquela manhã fatídica de 1945. Ouvi suas vozes, seu desespero, seu clamor inocente. Vi as lágrimas nos olhos das mães que perderam seus filhos. Vi a tristeza no coração dos pais que perderam tudo. Eu vi a maldade humana. Eu vi a guerra e seus resultados. Eu vi o inferno e senti o seu hálito destruidor. Jamais esquecerei aquele dia. Naquele curto período, eu encontrei o vale da sombra da morte. Ele estava ali, à minha frente.

Felizmente, os filhos e filhas de Hiroshima souberam reconstruir-se. Como uma fênix, ali surgiu uma belíssima cidade, organizada, altruísta, com uma mensagem para o mundo. Os homens e mulheres de Hiroshima e Nagasaki souberam vencer as agruras da tristeza e transformar-se. E reaflirmar que em qualquer guerra, só há perdedores.

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