por Marcus Vinícius De Freitas
Publicado em 25/09/2024, às 10h48
Ao celebrar 75 anos da sua fundação, a República Popular da China consolida, cada vez mais, seu status como potência global, com um crescente papel central em quase todas as áreas de importância, particularmente na geopolítica, economia e tecnologia. Esta posição foi alcançada em razão de cinco aspectos que devem ser considerados: a perspectiva filosófica, o crescimento econômico, a inovação, o poderio militar e o poder brando do gigante asiático.
Na perspectiva filosófica, é importante ressaltar a matriz diferenciada chinesa com relação ao Ocidente. Considerando que religiões desempenham um papel central na vida de bilhões de pessoas, moldam culturas, comportamentos e estruturas sociais, as filosofias originadas na China - Taoísmo, Confucionismo e Budismo (importado da Índia, mas profundamente enraizado na cultura chinesa) – são muito distantes das religiões monoteístas – Judaísmo, Cristianismo e Islamismo – que têm suas raízes no Oriente Médio. Enquanto as religiões monoteístas se concentram em um Deus pessoal e transcendente, as tradições filosóficas chinesas enfatizam a harmonia com o universo e com a ordem social, conferindo ao Estado um papel diferenciado na sociedade. Neste sentido, o Confucionismo, em particular, tem uma visão prática da natureza humana. Confúcio entendia que o propósito da vida é contribuir para a harmonia social e promover o bem comum por meio da virtude pessoal e da ordem moral. Com isto, o Confucionismo reafirma a necessidade de harmonia na vida em sociedade, respeitando tradições, hierarquias e relacionamentos, em vez de questões espirituais ou metafísicas.
Uma das razões mais evidentes para a ascensão da China foi o conjunto de reformas e abertura adotadas de Deng Xiaoping em 1978, quando o país iniciou um processo contínuo de transformação da sua economia anteriormente baseada na agricultura para uma potência industrial. E, durante o governo atual do Presidente Xi Jinping, a China ampliou a reforma para transformar o país num centro global de inovação tecnológica, e com isso vencer a armadilha da renda média, um fenômeno que a maior parte dos países não conseguem vencer pela dificuldade em inovar. Com isto, a China superou a economia norte-americana em paridade do poder de compra já há alguns anos.
Mesmo em momentos de crise, como foi o caso da pandemia da Covid-19, embora a taxa de crescimento tenha diminuído em comparação aos dois dígitos registrados em décadas anteriores, o país ainda mantém uma das taxas de crescimento mais altas entre as grandes economias, com particular ênfase em setores como tecnologia da informação, inteligência artificial, veículos elétricos e biotecnologia, com o claro objetivo de colocar o país no topo das cadeias de valor global e, assim, manter-se como o motor propulsor da economia global.
A rápida ascensão como uma potência tecnológica também impressiona: Lenovo, Volvo (anteriormente sueca), BYD, Huawei, Tencent, Alibaba, Xiaomi e Midea, dentre outras, são players globais em áreas nas mais variadas áreas, particularmente telecomunicações, e-commerce, inteligência artificial, veículos e fabricação de eletrônicos. O orçamento chinês de investimento em pesquisa e desenvolvimento tem crescido substancialmente e já rivaliza o norte-americano. Trata-se de uma estratégia fundamental para assegurar que, no século XXI, o país tenha a capacidade de liderar em áreas de ponta, à semelhança daquilo que ocorreu ao longo dos séculos até à Revolução Industrial.
Ademais, a despeito de uma vizinhança complicada, onde qualquer movimentação pode gerar uma corrida armamentista, a China também aumentou seu investimento estratégico em capacidades militares. O país asiático – que possui o maior exército do mundo em número de soldados – tem feito avanços significativos em sua marinha e força aérea, com equipamentos de ponta, como mísseis hipersônicos, sistemas de defesa cibernética, submarinos e outras armas que transformam a China numa potência relevante no campo militar, mas com um compromisso maior com a paz e não intervenção que os seus rivais ocidentais.
Por fim, na questão do poder brando, a China tem na Iniciativa do Cinturão e Rota uma demonstração importante do seu impacto global, particularmente em razão dos tão necessários investimentos em infraestrutura em vários países, que podem, enfim, ter uma perspectiva mais positiva sobre o futuro. A diplomacia chinesa tem exercido um papel cada vez mais relevante em questões do clima, comércio internacional, saúde, multilateralismo e globalização.
A ascensão da China é, portanto, o resultado de décadas de planejamento estratégico, crescimento robusto, com avanços tecnológicos e investimentos militares. O pragmatismo chinês ensina, no entanto, que o caminho doravante não será fácil, em razão dos desafios internos e externos. Mas Confúcio ensinou: “transportai um punhado de terra todos os dias e fareis uma montanha.” Esta é a perspectiva milenar chinesa.
O aprofundamento da relação Brasil e China poderá propiciar uma troca melhor de melhores práticas, acelerar o processo de crescimento econômico brasileiro e resolver o eterno problema de infraestrutura que o Brasil enfrenta há séculos e não resolve. Repensar o Mercosul, transformando numa área de livre comércio, poderia abrir a possibilidade de um tratado de livre comércio entre os dois países, particularmente considerando que as duas economias são complementares – e não antagônicas. Para tanto, é preciso pragmatismo ideológico, visão estratégia e pensamento de longo prazo: três elementos que, infelizmente, estão longe do nosso debate político nas últimas décadas. A resposta não vem dos céus, mas sim da própria Terra: assim ensinam as filosofias chinesas.
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