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O desafio britânico

O Reino Unido enfrenta a maior inflação histórica nas últimas três décadas

O Reino Unido enfrenta a maior inflação histórica nas últimas três décadas - Imagem: Freepik
O Reino Unido enfrenta a maior inflação histórica nas últimas três décadas - Imagem: Freepik
Marcus Vinícius de Freitas

por Marcus Vinícius de Freitas

Publicado em 23/11/2022, às 15h28


Ao assumir a chefia de governo britânico, Rishi Sunak, o novo primeiro-ministro, de origem indiana, que, aos 42 anos de idade, é o mais jovem na função desde que William Pitt, em 1783, aos 24 anos, ascendeu à posição.

Sunak, o terceiro a exercer a função num período de seis semanas, enfrenta uma série de dificuldades que o Reino Unido atravessa sem uma perspectiva muito positiva quanto ao futuro. Sunak, a primeira nomeação do Rei Charles III, ao mesmo tempo que representa uma mudança na estrutura social britânica, também verá que esta diversidade pouco ajudará a enfrentar os desafios de um partido conservador dividido, inflação elevada e um cenário negativo quanto às perspectivas de crescimento econômico em razão da Covid-19, da Guerra na Ucrânia e pelo autoflagelo da decisão do Brexit, uma ação impensada e utilizada por populistas para dividir a população.

O Brexit é um elemento extremamente polarizador da sociedade britânica – que pouco fala a respeito por negação do erro cometido – que assombrará os próximos primeiros-ministros britânicos por mais alguns anos. O fato é que os rumos de Bruxelas não interessavam aos britânicos. Mas a ruptura impensada e desestruturada tampouco ajudaram a tornar a navegação por mares turbulentos fáceis.

Os efeitos do Brexit não poderiam ter sido piores: o Reino Unido enfrenta a maior inflação histórica nas últimas três décadas, o estoque de produtos anda desequilibrado, a situação econômica e política instável, com um possível novo referendo de independência da Escócia, e a possibilidade do retorno do Trabalhistas à chefia do governo anda mais elevada do que nunca.

Sunak tem dois anos para tentar reverter o quadro, mas a situação é quase irreversível. Os Conservadores conseguiram criar um cenário econômico e político difíceis de serem administrados. É preciso sangue novo – ou uma perspectiva diferente – para vencer os desafios existentes.

O fato é que, nos últimos anos, o Reino Unido, tem passado por um processo continuado de deterioração econômica e social.

O país, que já teve uma relevância internacional invejável, aos poucos – como seus pares no Velho Continente – vem-se transformando num tigre de papel, uma sombra daquilo que já foi e cujos erros presentes enterram o legado secular. Essa instabilidade tem provocado uma série de crises agudas, mas que em razão dos acontecimentos recentes – pandemia da Covid-19, guerra na Ucrânia, morte da Rainha Elizabeth II – foram colocadas em segundo plano.

A troca de primeiros-ministros tem dado a impressão de que o país, caracterizado pela estabilidade representada pela Família Real Britânica, no campo político se assemelha mais à desorganizada Itália. A sorte dos britânicos, sem dúvida, é o regime monárquico que garante a estabilidade nos períodos turbulentos.

Sunak assumiu o governo num momento dificílimo. Sua antecessora, Liz Truss, a Breve, conseguiu, num curto espaço de tempo, desorganizar a estrutura econômica do país. Crente no liberalismo e no evangelho da redução de impostos, Truss conseguiu esfarelar, em pouco tempo, a combalida economia britânica, piorar o grau de investimento e, ainda, causar uma desvalorização substancial na libra esterlina.

Truss, porém, não contrariou o seu histórico de reduzido brilho. No entanto, apesar de seus defeitos, ainda assim, ela conseguiu vencer, nas eleições partidárias, o atual primeiro- ministro, Sunak, com um apoio majoritário de seu partido conservador, alcançando 57% dos votos contra 43% do seu concorrente. Essa legitimidade não foi substancial o suficiente para evitar-lhe os problemas internos e as disputas de poder no Partido Conservador.

Sunak – que assumiu por aclamação diante da desistência dos concorrentes um mandato tampão – não conta nem com a sorte da legitimidade dada pela maioria do partido. Ele somente ascendeu à posição porque as lideranças políticas compreenderam que o eleitor britânico está cansado dos desajustes do Partido Conservador e não teria paciência para permitir-lhes resolver as querelas internas num tempo prolongado.

Sunak, portanto, não conta com a legitimidade do voto dos membros do partido e nem do eleitor. Ao tentar reter o controle do Parlamento sem convocar novas eleições, a cartada de Sunak e dos Conservadores é manter, ao máximo possível, o poder na esperança de evitar, eventualmente, uma vitória avassaladora do Partido Trabalhista, que tem conseguido amealhar uma posição cada vez mais favorável.

Além disso, a origem indiana de Sunak é importante peça no tabuleiro político e econômico britânico. A Índia vem num processo de ascensão que interessa aos britânicos, particularmente como eventuais investidores, uma vez que a Índia tem-se transformado num parceiro econômico importante do Reino Unido.

A China, que poderia também ter uma maior presença no Reino Unido, tem apresentado reduzido menor interesse no país – apesar da quantidade de estudantes chineses nas universidades britânicas – em razão da ausência de maiores sinergias e um passado negativo de relacionamento bilateral.

Jamais se pode esquecer de que China e Inglaterra passaram pelas duas guerras do ópio, que foi responsável pelo processo histórico que os chineses chamam de Cem Anos de Humilhação. A história ensina que quem bate esquece, mas quem apanha jamais esquece. Além disso, o nível de sinergia é ainda reduzido e as ações britânicas – e o seu constante alinhamento com os Estados Unidos – tornam o relacionamento mais difícil.

Além disso, diante das sanções implementadas pelo Reino Unido à Rússia, com a expropriação de bens de muitos dos oligarcas, faz com que muitos países, em situações semelhantes deixem de confiar na estabilidade da proteção financeira oferecida pelo governo britânico.

Truss, a Breve, entrou para a história pelo enterro coreografado da Rainha Elizabeth II e também pelo desastre de uma administração que custou terrivelmente aos britânicos. Apesar da rapidez da correção de rumo – o que é motivo de inveja para os países presidencialistas, que são obrigados a sofrer o infortúnio de longos processos de impeachment, com um impacto muito mais desestabilizador – a espada de Dâmocles é uma realidade para o Partido Trabalhista. A trajetória de Sunak, o Tampão, portanto, não é fácil. Se sobreviver nos próximos dois anos, já terá conseguido excelentes resultados.

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