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COLUNA

A culpa não foi das urnas

Urna Eletrônica. - Imagem: Reprodução | Agência Brasil via Grupo Bom Dia
Urna Eletrônica. - Imagem: Reprodução | Agência Brasil via Grupo Bom Dia
Marcus Vinícius De Freitas

por Marcus Vinícius De Freitas

Publicado em 30/11/2022, às 09h09


Ao concluir seu segundo ano como Presidente do Brasil, em meio a uma pandemia inusitada, Jair Bolsonaro tinha muito pouco a comemorar. Em artigo publicado neste Diário de São Paulo, em 24/02/2021, fiz uma avaliação do governo até aquele momento, afirmando que a reeleição parecia improvável. Fui altamente criticado. Na ocasião, meu artigo concluía: “Se olharmos para os resultados alcançados nos últimos dois anos, de fato, pouco se qualificará Jair Bolsonaro à reeleição. Se não for reeleito, a culpa não será das urnas eletrônicas ou fraudes eleitorais. E sim dos resultados – ou da ausência deles – de sua gestão”.

Em que pese alguns índices melhorados na economia, Bolsonaro não soube – nem quis – unificar o País. Tampouco lhe deu boas perspectivas quanto ao futuro. Do contrário, transformou a eleição numa disputa irracional do bem contra o mal, uma batalha escatológica entre o Bolsonarismo e Lulismo, um mutualismo doentio da política brasileira. Bolsonaro, que afirmou que não adotaria a “Velha Política”, foi um exímio praticante daquilo que tanto negou. E logrou, no processo, dividir a sociedade de tal modo que, a despeito do enorme absurdo que corrupção representa, uma parte da sociedade entendeu esta preferível à manutenção do atual governo no poder. E como resultado destes erros crassos, o País que combatera seriamente a corrupção, na Lava Jato, agora vê o retorno do Partido dos Trabalhadores ao poder, uma organização que adota a corrupção como modus operandi de governar. No paredão da eleição presidencial, o eleitor brasileiro foi forçado a tapar o nariz com o fedor da corrupção de um dos candidatos e eliminar o outro candidato por incompetência.

Bolsonaro teve uma atuação pífia e equivocada durante a pandemia. Semelhantemente àquilo que ocorreu com a maior parte dos líderes políticos que negligenciaram a pandemia da Covid-19, Bolsonaro também perdeu a eleição. O Governo Bolsonaro destacou-se por discutir muito, terceirizar obrigações, caçar bruxas, não admitir culpas e esvaziar a maior operação global de combate à corrupção. Bolsonaro militarizou os quadros administrativos, o que recorda muito daquilo que Hugo Chávez fez na Venezuela em seu primeiro mandato. E, infelizmente, algumas das narrativas que levaram ao atraso político do País, como o louvor ao período militar, repetiram-se e, de fato, enfraqueceram a democracia. Uma interpretação distorcida do artigo 142 da Constituição Brasileira apareceu entre alguns “juristas” dando uma hermenêutica distorcida e golpista para inconformados e maus perdedores, na absurda tentativa de querer criar um suposto poder moderador no País. Surgiu um grupo, que se autodenominou de direita, criou uma comoção no país com suas ideias retrógadas e, ainda, abusou da questão religiosa para legitimar perspectivas distorcidas da realidade. Aquilo que realmente importava, como a erradicação da miséria, o aumento da renda per capita brasileira e o reposicionamento global do Brasil, foram varridos para debaixo do tapete. E, na eleição de 2022, o Brasil parou o relógio do tempo e retornou à fatídica eleição de 2002, quando o pesadelo da corrupção passou a aflorar como nunca antes na história deste País. O fato é que Bolsonaro se transformou no maior eleitor de Lula. De todas as culpas de Bolsonaro, esta é, sem dúvida, a sua maior responsabilidade. Afinal, Lula não é Mandela. E o governo Lula está destinado ao impeachment ou a um cenário de instabilidade constante, afinal, Lula não tem a capacidade – ou o desejo – de, efetivamente, unificar o País.

A economia brasileira tampouco cresceu como poderia. Não havia metas predeterminadas como, por exemplo, estabelecer-se um alvo de meta per capita. No cenário internacional, o Brasil foi, nos últimos quatro anos, um deserto de propostas e ideias para resolver os desafios da agenda doméstica e mundial. O governo Bolsonaro apequenou o País. À exceção do posicionamento acertado na questão venezuelana para oferecer refúgio àqueles desamparados pelo regime de Maduro, no geral, o Brasil sedimentou uma imagem ruim internacionalmente. E, para piorar, é duro ser conhecido como um país leniente com a corrupção, em que os mais altos cargos da República têm uma moralidade extremamente flexível e onde o vil metal e a manutenção do poder justificam os maiores malabarismos jurídicos jamais vistos na história humana. Engana-se quem acha que o histórico de Lula poderia transformá-lo numa liderança global. O respeito jamais é outorgado a líderes corruptos.

O governo Bolsonaro também ofendeu parceiros econômicos importantes, de todas as formas imagináveis e não levou em consideração o fato de que para falar alto, é necessário ter conteúdo. Distanciou-se dos melhores parceiros e se aproximou daqueles que muito pouco lhe tinham a oferecer como benefício. O desorganizado combate à COVID-19 expôs ao mundo a enorme incapacidade do governo de planejar, coordenar e mobilizar quanto às medidas a serem adotadas, particularmente num governo que, repleto de militares, deveria saber construir estratégias de ação.

Na agenda doméstica, Bolsonaro atropelou muitos assuntos caros à pauta conservadora: colocou na Suprema Corte juízes que pouco se distinguem dos outros, não avançou com a liberalização econômica do País, e pouco contribuiu para, efetivamente, reduzir o Custo Brasil e o Custo de Ser Brasileiro. Muitos apoiadores foram lenientes com o constante desrespeito de Bolsonaro à liturgia do cargo, o respeito às instituições e ao jornalismo. O Brasil se tornou um país em que não se acredita em ninguém e em nada. E isto foi o novo normal dos últimos quatro anos.

O governo atual chega a um fim melancólico, alimentando, ainda, nos estertores, uma narrativa golpista. O Brasil, no entanto, iniciará uma nova aventura, a partir de 1º de janeiro de 2023. Sem planos, sem objetivos de longo prazo, com uma liderança política que pouca esperança representa a um futuro melhor para o País. O fluxo migratório de brasileiros em busca de uma vida melhor no exterior, por certo, aumentará, como ocorreu no Governo Dilma. Resta-nos torcer para que quatro anos passem rápido e novos quadros políticos surjam.

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