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Controlando o Incontrolável

Fake News. - Imagem: Reprodução | Freepik
Fake News. - Imagem: Reprodução | Freepik
Bruno Bernardes

por Bruno Bernardes

Publicado em 01/06/2024, às 05h13 - Atualizado às 10h13


O ano de 2024 traz uma revolução não muito positiva na forma de se conduzir a propaganda político-eleitoral no Brasil. Em plena era digital, o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) anunciou a resolução nº 23.732, com o intuito de combater o mal uso das redes sociais em propagandas eleitorais e evitar, principalmente, a disseminação das deepfakes, que são montagens de imagens e vozes produzidas por aplicativos de inteligência artificial usados para manipular e produzir declarações falsas de candidatos e autoridades políticas. Recentemente, o uso desta tecnologia tem gerado um impacto extremamente negativo no curso político e democrático dos países.

A resolução do TSE é pioneira ao buscar trazer uma solução para um problema que já se tornou crônico na política da era digital, que é a disseminação de falsas informações e conteúdos "desinformativos".

A iniciativa é nobre e visa resguardar a saúde da democracia, porém, ela se torna ineficiente ao buscar ser extremamente detalhista e punitiva. A metáfora que mais se aplica nesse casoé a da disputa entre a lebre e a tartaruga, onde o estado burocrático brasileiro é a tartaruga que busca, em meio a uma corrida interminável de avanços tecnológicos, alcançar a lebre!Ou seja, tenta controlar o incontrolável. O Estado nunca estará à altura da evolução extremamente veloz da tecnologia. Claroque algo precisa ser feito para alertar os cidadãos e eleitores de que eles estão sujeitos a conteúdos duvidosos. Uma ação que confira mais verdade à comunicação eleitoral seria muito desejada e bem-vinda, mas de boas ações o inferno está cheio.

O fato é que a atitude democrática do TSE trouxe uma consequência um tanto quanto "antidemocrática" para o processo eleitoral brasileiro neste 2024. O Google, quarta empresa mais valiosa do mundo e uma das mais importantes no setor da tecnologia e comunicação, anunciou a retirada do seu time de campo na acirrada corrida da comunicação eleitoral municipal deste ano. Em seguida, o X - antigo Twitter, também decidiu proibir conteúdo político eleitoral. Ambas as empresas tomaram essa atitude por conta da resolução do TSE.

Seria esse o intuito que a medida buscava atingir? Como isso irá afetar o processo político brasileiro e a tão visada "qualidade" da nossa democracia?

Enquanto o X não entrou em detalhes sobre sua decisão, o Google informou que a medida do TSE estabeleceespecificamente que as plataformas digitais disponibilizem um repositório de anúncios de conteúdo político-eleitoral para o acompanhamento da Corte em tempo real. A resolução prevê ainda que a medida seja cumprida também em anos não eleitorais. Mais uma vez o TSE ficou como a tartaruga da história, pois medida similar foi antecedida pelo Google desde 2022, que já havia incluído o Brasil no rol de países que fazem parte do seu relatório de transparência de anúncios políticos. Neste caso, a empresa segue seus próprios critérios de classificação.

A resolução também vetou a comercialização pelas empresas de qualquer tipo de impulsionamento de fatos "notoriamente inverídicos" ou "gravemente descontextualizados". Caso ocorra a disponibilização de conteúdos com este caráter, as empresas deverão veicular impulsionamento sem custos de material informativo que elucide o fato notoriamente inverídico.

Com a medida do TSE, o Google precisaria ampliar seu escopo de atuação para abranger os candidatos e mandatários da esfera municipal de mais de 5 mil municípios.

Em nota, o Google reiterou seu compromisso com a transparência e com a integridade das eleições, mas comunicou que não teria viabilidade técnica e nem econômica para a implementação de tais requisitos, acarretando vários desafios para a empresa, podendo elevar o risco de infrações por conta da complexidade da gestão e verificação demilhares e milhares de anúncios, levando a falhas no sistema que poderiam resultar em punições e multas pesadas para a empresa.

Os impactos da saída do Google na corrida da comunicação eleitoral ainda são incertos, mas sem dúvida, no geral, perde a democracia brasileira e sua alternância de poder, pois o Google e suas demais plataformas - Google Ads e Youtube entre outras, são as que mais viabilizam as candidaturas de novatos na política, que conseguiam até então pagar por anúncios e furar suas bolhas de audiência. Perdem os eleitores, pois terão menos acesso à informação política diversificada e relevante. Perde também a democracia,sem o fluxo de informações necessário para o debate e o diálogo.

A era das democracias digitais nos traz muitos desafios, e neste momento estamos diante do principal deles: até quanto se pode sacrificar da liberdade para se conter a má informação?

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