Diário de São Paulo
Siga-nos

Sonâmbulos rumo à 3ª Guerra Mundial

Imagem: Gonzalo Fuentes / via Agência Brasil
Imagem: Gonzalo Fuentes / via Agência Brasil

Marcus Vinícius De Freitas Publicado em 13/07/2022, às 08h50


No Ocidente, tendemos – por crermos ser o centro do universo – a acreditar que nossos valores serão sempre o padrão global e que o mundo deverá comportar-se nos termos de nossa perspectiva. Assim foi ao final de 1991, quando o império soviético chegou ao seu final, no colapso ocorrido em 26 de dezembro daquele ano. Em todas as partes do Ocidente se celebrou a vantagem moral, social e econômica, além da prevalência dos valores ocidentais na ordem global, particularmente a Democracia Liberal e o capitalismo, como as forças motrizes dessa nova ordem mundial.

Tal como a Coca Cola, os Estados Unidos acreditavam na fórmula do tamanho único para o desenvolvimento global e prosperidade. Os países que quisessem sobreviver neste novo cenário deveriam adequar-se a estes novos parâmetros para, enfim, adquirirem o nível de prosperidade preconizada pelo Ocidente.

O celebrado Francis Fukuyama imortalizou esta perspectiva, em 1992, na obra “O fim da história e do último homem”, em que argumentava que o fim da Guerra Fria, o colapso soviético e a ascensão da democracia liberal, como forma final de governança humana, representariam o fim da evolução ideológica. Ao enfatizar a superioridade da democracia liberal – como idealizada no Ocidente pelos Estados Unidos e União Europeia – a qualquer alternativa existente, Fukuyama, claramente, ignorou o que ocorria no gigante asiático – China – cuja perspectiva histórica é baseada em métricas muito diferentes do Ocidente. A dinâmica chinesa prevê um papel relevante, na ordem global, do capitalismo estatal e da ascensão daquela potência asiática, numa busca para de erradicar da memória os “Cem Anos de Humilhação” impostos pelo Ocidente, a partir das Guerras do Ópio no século XIX.

A perspectiva escatológica de Fukuyama não previu a ascensão chinesa e que muitas das promessas das Democracia Liberal não se efetivariam, particularmente nas antigas repúblicas soviéticas: o mundo continuaria a sofrer de enormes assimetrias sociais, econômicas e políticas que parecem insolúveis e que requerem nova reflexão sobre a melhor maneira de se construir uma sociedade global que logre compartilhar os princípios de liberdade, igualdade e, principalmente, fraternidade. Do contrário, o cenário global atual, que vem sendo impactado profundamente pela pandemia da Covid-19 – que ainda não terminou – e da Guerra da Ucrânia, certamente deteriorará e poderá alargar o abismo entre os países no cenário internacional e doméstico.

A Primeira Guerra Mundial – que deveria ser sempre estudada pela multiplicidade de lições ensinadas – constitui um exemplo clássico de enormes falhas diplomáticas que levaram o mundo a um dos mais sangrentos conflitos da história. A inabilidade nas negociações e a crença em perspectivas diplomáticas equivocadas, particularmente a de que o risco da guerra era preferível às alternativas de destruição ou capitulação, levaram a inúmeros erros de cálculo que implicaram a morte de milhares e consolidaram o processo de declínio da Europa como centro da governança global.

Na Guerra da Ucrânia temos observado uma situação semelhante. Apesar de a Ucrânia não pertencer à Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN), o que lhe impede de ver aplicado o artigo 5º da proteção coletiva, o envolvimento da OTAN nesta Guerra foi, de fato, muito elevado e preocupante, a ponto de, se a Ucrânia perder a guerra, toda a situação será entendida e percebida como uma derrota das potências ocidentais. Putin terá vencido a batalha contra a OTAN sem ter disparado uma bala em nenhum país membro da Aliança. Ademais, as medidas tomadas para estrangular a Rússia, particularmente as sanções que pretendiam levar a Rússia à idade da pedra no setor econômico-financeiro, têm-se comprovado ineficazes.

Os erros diplomáticos da atuação ocidental nesta situação – quase que imediatamente – se repetiram, desta vez com a retórica visando incluir a China, com a alegação equivocada de que Taiwan – reconhecida como uma questão doméstica desde o retorno da China continental às Nações Unidas em 1971– seria a próxima guerra, passando-se a ameaçar o país asiático com um conflito que poderia assumir proporções substanciais. Ao invés de um foco de instabilidade, a diplomacia ocidental pretendeu criar um segundo.  

Embora o posicionamento geográfico dos Estados Unidos lhes ofereça enormes vantagens num contexto bélico, a realidade da integração econômica global e a guerra cibernética alteraram profundamente o cenário. O descolamento econômico é cada vez mais difícil, particularmente quanto à China, em razão de este país ser o fornecedor global de praticamente todos os bens industrializados. Além disso, o mercado chinês é disruptivo pelo nível de escala existente, tanto por sua base interna como sua infraestrutura de exportação.

A Guerra da Ucrânia basicamente nos ensina três princípios importantes: i) o Ocidente já não tem o mesmo poder de convencimento global quanto às suas iniciativas; ii) sanções econômicas não têm a efetividade que se pressupõe no momento de sua implementação, particularmente considerando a assimetria daqueles que as impõem e o tamanho do país sancionado; e iii) mídias sociais não vencem guerras.

É, portanto, o momento para reavaliarmos os valores atuais que norteiam o Ocidente e – talvez – aprender um pouco daqueles que não compartilham necessariamente dos mesmos valores. A superioridade ocidental levou a uma arrogância escatológica que, de fato, somente prejudicou a continuidade do poderio global dos últimos três séculos nos próximos. A história não chegou ao fim, a democracia liberal não é o receituário único para consolidação da prosperidade e o capitalismo – como atualmente desenhado – precisa ser repensado para que entregue, de fato, a promessa de melhoria na qualidade de vida da população global. Como Confúcio bem ensinou no passado: “Se queres prever o futuro, estuda o passado.” Se não fizermos isto, seguiremos como sonâmbulos caminhando em direção a uma 3ª Guerra Mundial.

Compartilhe  

últimas notícias