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O mi-mi-mi deixou a vida chata demais

Vou mexer em um vespeiro. Uma ala mais radical do politicamente correto fica com a faca nos dentes esperando uma oportunidade para ir na jugular. Eles não

O mi-mi-mi deixou a vida chata demais
O mi-mi-mi deixou a vida chata demais

Redação Publicado em 06/02/2022, às 00h00 - Atualizado às 14h25


Por Reinaldo Polito

O mi-mi-mi deixou a vida chata demais

Vou mexer em um vespeiro. Uma ala mais radical do politicamente correto fica com a faca nos dentes esperando uma oportunidade para ir na jugular. Eles não pensam duas vezes para colocar carimbo de racista, homofóbico, misógino e tantos outros adjetivos que perambulam por aí.

Sou contra qualquer tipo de racismo. Tenho repulsa por aqueles que agem como homofóbicos ou misóginos. Em nossa sociedade não há mais espaço para esse tipo de conduta. Por outro lado, combato o oportunismo seletivo.

Na CPI da Covid-19, por exemplo, algumas mulheres que foram depor acabaram por ser agredidas de forma intolerável por defenderem uma causa que não agradava a certos segmentos ideológicos. Além de não receberem apoio, tiveram de se defender sozinhas, até movendo processos para que os responsáveis fossem punidos.

Portanto, o politicamente correto pode e até deve ser adotado, desde que não se submeta a um viés seletivo. Fiz esse preâmbulo para falar de um assunto que sempre me foi caro, mas que recebeu críticas por parte daqueles que vivem no extremo do mi-mi-mi.

Todos nós sabemos como alguns professores, por terem sua autoridade esvaziada, sofrem em sala de aula. Acabam se sujeitando a situações em que chegam até a ser humilhados porque não podem contrariar os alunos.

Conheci um professor que era craque em conquistar e manter a atenção, Ulisses Ribeiro. Esse querido mestre lecionou nas principais escolas de Araraquara. Era admirado por todos os seus alunos. Uma unanimidade.

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Professor Ulisses Ribeiro

Não chega a ser novidade que algumas matérias escolares apaixonam. Temos consciência também de que há outras que se transformam em verdadeiro tormento para os estudantes. Matemática, ah, essa bendita matemática! Quase sempre foi, para a maioria dos alunos, motivo de paixão ou sacrifício.

E em tom quase jocoso poderíamos dizer que esse ramo do conhecimento talvez tenha influenciado a vida dos melhores engenheiros e dos bons advogados. Alguns se dedicaram à engenharia por terem facilidade com os números. Enquanto outros abraçaram a advocacia pela aversão que nutriam pelos cálculos.

Aí é que entra a magia do Professor Ulisses Ribeiro. Aqueles que, como eu, tiveram o privilégio de ser seu aluno, se não se apaixonaram pela matemática, pelo menos não a detestaram. Sua maneira peculiar, entusiasmada e alegre de se relacionar com os alunos conquistava quem passasse pelas suas aulas. Com sua presença em sala, a matemática era vista com sentido objetivo. Havia naqueles números uma razão de ser. Com ele, as pessoas entendiam os segredos das operações numéricas com bastante facilidade.

Se, por exemplo, aquele professor expedito, gentil e sempre bem-humorado notasse um de seus pupilos desatento, lançava mão de um de seus recursos preferidos para reconquistar a concentração daquele que já voava com os pensamentos. O Mestre estava sempre municiado de um verdadeiro arsenal. Ele abastecia o bolso do jaleco com pedacinhos de giz e os utilizava com sua infalível pontaria.

Sem que o aluno se desse conta, às vezes até de longa distância, arremessava nele o pedaço de giz, como se jogasse uma bolinha de gude. Não errava um arremesso.  O “projetil” ia direto na testa do distraído. A classe explodia com gostosas gargalhadas.

Não havia um que não se divertisse com aquele seu gesto característico, e ninguém se sentia desrespeitado com a brincadeira. Já tive dezenas e dezenas de professores ao longo da minha vida, nunca conheci um que fosse mais querido que Ulisses Ribeiro. Basta mencionar que no dia em que faleceu, a cidade inteira parou para reverenciar e se despedir do educador.

Quando trato desse tema, de vez em quando aparece alguém adepto da “moderna pedagogia” torcendo o nariz. Dizem que esse método aplicado pelo professor Ulisses não cabe dentro das boas condutas do ensino atual. Como resposta, faço uma proposta a esses “educadores”: pergunte a um ex-aluno do querido mestre, qualquer um, o que achavam de suas aulas e qual foi o aprendizado que tiveram com ele. Duvido que haja ao menos um comentário negativo.

Quanta falta faz um professor como Ulisses Ribeiro. Como essa garotada poderia aprender e até se apaixonar por matérias áridas como a matemática. Se, entretanto, ele tivesse de se curvar a essa histeria do politicamente correto, talvez não desempenhasse seu trabalho com tanto amor e com tanta competência. Siga pelo Instagram @polito

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Reinaldo Polito é Mestre em Ciências da Comunicação e professor de oratória nos cursos de pós-graduação em Marketing Político, Gestão Corporativa e Gestão de Comunicação e Marketing na ECA-USP. Escreveu 34 livros com mais de 1,5 milhão de exemplares vendidos em 39 países. Siga no Instagram @polito pelo facebook.com/reinaldopolito pergunte no [email protected]
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