Então, a Ucrânia se transformou no território limite. A aliança ocidental chegou à Polônia, aos países Bálticos, mas ao tentar se aproximar da fronteira
Redação Publicado em 26/02/2022, às 00h00 - Atualizado às 15h46
Um dia antes da invasão russa ao país vizinho, participando de um programa de televisão que discutia o tema, eu disse que a guerra não aconteceria. Errei! Assim como, uma semana antes, o presidente Bolsonaro também errou ao dar a entender que tinha evitado a ação militar. Mas, como eu não sou chefe de Estado, o meu erro pode ser considerado menor.
Eu realmente acreditei que Putin estava pressionando para evitar que as forças europeias e norte-americanas continuassem, sob o manto quase pacífico da OTAN, a se aproximar das suas fronteiras. Porém, o objetivo parece ter sido sempre outro: retomar territórios que historicamente os autocratas russos consideram deles.
Porque, no final das contas, um componente importante do argumento de Putin vale a pena ser considerado: se a Guerra Fria acabou com o fim da União Soviética, e o Pacto de Varsóvia já não existe mais, por que é que a OTAN continua se expandindo? Se a construção do Tratado se deu para evitar que a influência da Rússia comunista avançasse sobre a Europa Ocidental, por que os Estados Unidos continuaram bancando armamentos e treinamentos cada vez mais perto da fronteira?
Então, a Ucrânia se transformou no território limite. A aliança ocidental chegou à Polônia, aos países Bálticos, mas ao tentar se aproximar da fronteira oficial, a luz vermelha do Kremlin se acendeu. E isso deu a Putin a possibilidade de falar para os seus algo que para nós parece inverossímil: “Não tínhamos outra alternativa!”
E ele achou o momento ideal. Os Estados Unidos lidando com um ambiente político instável, com um presidente que se mostra cada dia mais frágil, a Alemanha, que é o país-referência da União Europeia, com um novo chanceler, que ainda não conseguiu compreender o ambiente que recebeu da grande estrategista Angela Merkel, e a China, a grande aliada russa (momentânea) do leste, pouco preocupada com o que acontece do outro lado da fronteira.
No fim das contas, como em todas as guerras, a verdade foi a primeira vítima, a população está sofrendo, jovens vão morrer e os fabricantes de armas vão ganhar muito mais dinheiro. Afinal, se uma guerra ainda pode acontecer com batalhas entre soldados, na terceira década do século XXI, muita gente vai querer se armar.
Agora, mesmo tendo errado anteriormente, faço mais algumas previsões: ninguém vai conseguir tirar Putin da Ucrânia, o presidente-comediante ucraniano vai ser apeado do poder, o país vai manter ainda alguma autonomia e voltar a ter o poder real vindo diretamente de Moscou. O mandatário russo vai conseguir o que queria desde que substituiu o confuso Boris Ieltsin: entregar para a História um país muito maior do que recebeu.
É claro que não são coisas que eu torço para acontecer. Afinal, com todos os problemas, a democracia liberal ainda se mostra como a melhor escolha para qualquer lugar do mundo. Fica evidente que Putin não está comprometida com ela. Nem o presidente brasileiro, que acha que pode usar um conflito internacional como palco para vídeos dos stories da campanha para a reeleição.
Kleber Carrilho é professor, analista político e doutor em Comunicação Social
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