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Com o veto ao Fundo Eleitoral, o Congresso tem a oportunidade de corrigir um equívoco

Como é de conhecimento de todos, o Presidente da República vetou o trecho da Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) que destinava cerca de R$ 5,7 bilhões de

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Redação Publicado em 23/08/2021, às 00h00 - Atualizado às 08h43


Como é de conhecimento de todos, o Presidente da República vetou o trecho da Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) que destinava cerca de R$ 5,7 bilhões de reais para o Fundo Especial de Financiamento de Campanhas (FEFC), ou Fundo Eleitoral – como ficou conhecido –, despesas dos partidos e candidatos financiarem as campanhas eleitorais de 2022, ou seja, com o Veto Presidencial de modo integral, em regra, o valor do Fundo se mantem no patamar anterior.

Segundo informações da Secretaria-Geral da Presidência da República, o valor do fundo “será definido pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE) e incluído no Projeto da Lei Orçamentária Anual (LOA) do ano que vem”, com base nos parâmetros definidos em lei do quantum de recurso desse Tribunal devem ser direcionados ao Fundo, cujo prazo para envio pelo Executivo ao Congresso Nacional termina em 31 de agosto desse ano, em suma, a verba para o Fundo Eleitoral depende da quantia fixada pelo TSE e também de recursos que lhe são atribuídos pelos congressistas na lei orçamentárias, o que, segundo informações do próprio Senado, com a correção do INPC, mantido o patamar das eleições de 2020, o valor deverá ficar em torno de R$ 2,2, bilhões de reais.¹

Críticas e polêmicas a parte, ainda mais quando se trata do uso de recursos públicos em campanhas eleitorais, mas o fato é que não há qualquer possibilidade de se pensar em eleições sem recursos, pois não se faz campanha sem dinheiro e é totalmente equivocado quem pensa o contrário, o que, conforme afirmou o saudoso Ministro Teori Zavascki, no voto que julgou a inconstitucionalidade do uso de recursos públicos em campanhas eleitorais: “Se é certo afirmar que o poder econômico pode interferir negativamente no sistema democrático, favorecendo a corrupção eleitoral e outras formas de abuso, também é certo que não se pode imaginar um sistema democrático de qualidade sem partidos políticos fortes e atuantes, especialmente em campanhas eleitorais, o que, evidentemente, pressupõe a disponibilidade de recursos financeiros expressivos”

Nesse contexto, embora a Reforma Política já tenha sido aprovada em dois turnos na Câmara dos Deputados, com a manutenção do sistema de financiamento público de campanhas eleitorais, como o prazo final das aprovações das regras para as eleições do ano que vem é até início de outubro, tal situação, dado o atual momento e o referido veto do Presidente da República ao trecho da LDO que elevava do valor do Fundo Eleitoral, surge uma boa oportunidade do Congresso Nacional se debruçar sobre a também polêmica questão do financiamento empresarial das campanhas eleitorais, como acontecia no passado próximo, e como venho defendendo há pelo menos 3 eleições.

Assim, no atual momento, a preocupação do Congresso Nacional deveria ser direcionada a formas de prevenir o desperdício de recursos públicos, estes que podem ser utilizados no que realmente é necessário, a saúde e educação dos brasileiros, bem como garantir uma maior igualdade entre os candidatos na disputa eleitoral, tendo em vista que a divisão dos recursos públicos pelos partidos não alcança a todos e acaba privilegiando uns em detrimento de outros, o que demonstra com clareza a necessidade do debate sobre o retorno do financiamento empresarial.

Para conhecimento, em 2015, o Supremo Tribunal Federal julgou uma Ação Direta de Inconstitucionalidade movida pela Ordem dos Advogados do Brasil e, por maioria de votos, decidiu pela inconstitucionalidade do financiamento empresarial para partidos políticos e campanhas eleitorais, previstos nas Leis 9.096/95 e 9.504/97, muito em razão do que se apurou nos autos dos processos referentes ao Mensalão, encampando a imagem extraída da pressão popular e midiática de que toda corrupção advinha desse modelo de financiamento, criando a falsa percepção de que o problema da corrupção no Brasil estava no modelo de financiamento eleitoral por pessoa jurídica.

Essa temática não é verdadeira, ainda mais quando analisamos o que ficou consignado em quase todos os votos proferidos no julgamento dessa ADI nº 4.650, pelos Ministros do STF, que reconheceram em verdade que o problema estava, em síntese, na ausência de uma normatização rigorosa e adequada quanto à forma, fiscalização e controle no procedimento de doação pelas empresas, ficando devidamente consignado no voto do saudoso Ministro Teori Zavascki a necessidade de “acréscimo de novas vedações às hipóteses legais previstas no art. 24 da Lei 9.504/97 e no art. 31 da Lei 9.096/95 […]”.³

A conclusão do voto do Eminente Ministro Teori, embora não tenha sido acatada, é perfeita, pois vai justamente no sentido de impedir que a política seja praticada em benefício de clientes preferenciais da Administração Pública, ou seja, reconhece como critério a necessidade das “seguintes vedações de contribuições a partidos políticos e a campanhas eleitorais: (I) de pessoas jurídicas ou de suas controladas e coligadas que mantenham contratos onerosos celebrados com a Administração Pública, independentemente de sua forma e objeto; (II) de pessoas jurídicas a partidos (de seus candidatos) diferentes, que competem entre si; e, ainda, (III) vedação a pessoas jurídicas que efetuaram contribuições a partidos ou campanhas, de, desde então e até o término da gestão subsequente, celebrar qualquer contrato oneroso com entidades da Administração Pública”.⁴

Como se vê e é notório, o fim do financiamento empresarial, como definido pelo STF, não resolveu o problema do custo das campanhas eleitorais, bem como não inibiu práticas criminosas de corrupção e caixa 2, além do que, acabou por distorcer o sistema, gerando um desequilíbrio entre os candidatos em disputa, além de utilizar de modo inadequado grande quantidade de recurso público, valores triplicados para 2022, que, diretamente, não atendem aos anseios da população.

E, especificamente no que tange ao desequilíbrio entre os candidatos, a razão está no fato de que os recursos, quando divididos, ainda mais considerando o veto presidencial e a manutenção do patamar das eleições de 2020, atualizado com base no INPC, que corresponderia a pouco mais de R$ 2 bilhões de reais, por certo não atendem a todas as campanhas de modo eficaz, e, ainda, a decisão sobre essa divisão, que fica a cargo dos dirigentes partidários, acaba redundando em benefício de apenas alguns, prejudicando uma infinidade de outros candidatos, tendo em vista que as cúpulas partidárias direcionam a maior parcela do Fundo para seus escolhidos.

Desse modo, é imprescindível que, mesmo a aprovação da Reforma pela Câmara, de modo apartado, o Congresso retome o debate acerca do financiamento empresarial, vez que ainda há tempo, revogando a previsão de utilização do FEFC (fundo público), em especial diante do cenário de crise que atravessamos, que exige responsabilidade e compromisso com os temas prioritário do Brasil, que são saúde, educação e economia, diversamente do que temos visto, em que o foco de todos está nas eleições de 2022.

E a saída está justamente no que delineou o saudoso Ministro Teori Zavascki, em que o sistema deve, além de contar com amplo compliance contábil e fiscal, deve manter o limite de gastos das campanhas, além do limite de doação, proibindo, especialmente, doações de pessoas jurídicos, subsidiárias, controladas e coligadas que mantenham contratos com a Administração Pública; de empresas diferentes, que competem entre si; bem como proibindo que empresas que efetuaram doações de campanha possam celebrar contrato com a Administração Pública, acrescendo, ainda, como contribuição ao debate, a necessidade de vedação de que uma mesma empresa possa doar para mais de um partido político e/ou candidato, que disputa o mesmo cargo, na mesma circunscrição.

A mudança do modelo de financiamento terá o condão efetivo de garantir uma maior igualdade na disputa eleitoral, permitindo que os próprios candidatos possam buscar suas formas de financiamento nas pessoas jurídicas e físicas, modelo que deverá contar com a implementação das regras de compliance e vedações delineadas pelo Ministro Teori Zavascki em seu voto na ADI 4.650, no sentido de manter uma rigorosa e adequada fiscalização dos doadores e das contas de campanha, como forma de garantir maior transparência e moralidade ao sistema, além de fortalecimento das minorias e da própria Democracia.

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¹ Fonte: Agência Senado. Disponível em https://www12.senado.leg.br/noticias/infomaterias/2021/08/valor-do-fundo-eleitoral-gera-debate-sobre-financiamento-de-campanhas.

² ZAVASCKI, Teori. Financiamento empresarial de partidos políticos: a questão constitucional. In: Sistema político e direito eleitoral brasileiros: estudos em homenagem ao Ministro Dias Toffoli. Coord. João Otávio de Noronha, Richard Pae Kim. São Paulo: Atlas, 2016. p. 755-756

³ Idem.

Amilton Augusto

Advogado especialista em Direito Eleitoral e Administrativo. Vice-Presidente da Comissão de Relacionamento com o Poder Legislativo da OAB/SP. Membro julgador do Tribunal de Ética e Disciplina da OAB/RJ. Membro fundador da ABRADEP – Academia Brasileira de Direito Eleitoral e Político (2015). Membro do Conselho Consultivo das Escolas SESI e SENAI (CIESP/FIESP). Coautor da obra coletiva Direito Eleitoral: Temas relevantes – org. Luiz Fux e outros (Juruá,2018).  Autor da obra Guia Simplificado Eleições 2020 (CD.G, 2020). Coautor da obra Dicionário Simplificado de Direito Municipal e Eleitoral (Impetus, 2020).  Palestrante e consultor. E-mail: [email protected].

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