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Marcus Vinícius de Freitas: A Cúpula do Clima em Glasgow

Já nos acostumamos a ouvir, quase que diariamente, que o mundo está derretendo e que o fim da humanidade está próximo. Creio que por uma tradição das

Marcus Vinícius de Freitas: A Cúpula do Clima em Glasgow
Marcus Vinícius de Freitas: A Cúpula do Clima em Glasgow

Redação Publicado em 03/11/2021, às 00h00 - Atualizado às 07h31


Este não é – esclareço de antemão – um artigo negacionista.

A Cúpula do Clima em Glasgow

Já nos acostumamos a ouvir, quase que diariamente, que o mundo está derretendo e que o fim da humanidade está próximo. Creio que por uma tradição das religiões monoteístas, parece atrair-nos o discurso do fim do mundo e da destruição total. Sonha-se tanto com um mundo melhor e, nessa história, relegamos o atual em que vivemos a um segundo ou terceiro plano.

O fato é que esta narrativa tem, de fato, cansado a todos. Esta expectativa de uma hecatombe com um desastre global não é algo novo na história da humanidade. Já tivemos a questão do inverno nuclear, o buraco na camada de ozônio, o resfriamento global, o “bug” do milênio, e por ai vai, somente para relembrar-nos dos mais recentes.  A preocupação com o meio ambiente deve constituir a prioridade mais importante de toda administração pública e também de todo indivíduo. Por alguma razão, despendemos nossas vidas neste planeta e cabe a nós preservá-lo a fim que possamos desfrutá-lo da melhor maneira possível e, com sustentabilidade, legarmos algo igual ou melhor às próximas gerações. Mas o fato é que a hipocrisia prevalece neste assunto e que muito pouco tem sido feito. Políticos adoram discutir assuntos sobre o futuro, quando já não se encontrarão mais por aqui. Chega a ser gracioso ouvir grandes compromissos assumidos para 2050, 2060 ou até mesmo depois de 2070. Com certeza, aqueles que fazem estes compromissos hoje deverão vê-los realizados, só que o farão embaixo da terra ou convertidos em cinzas.

Alguns exemplos desta grande hipocrisia global que tivemos nesta Cúpula de Glasgow: Joe Biden, ao visitar o Papa Francisco, em Roma, foi acompanhado por uma carreata de 85 veículos. Obviamente que, diante da repercussão do erro, culpou-se a regulamentação italiana sobre a Covid-19. Ou os 30 mil delegados e mais de 100 mil manifestantes que se deslocaram até Glasgow para participar da Cúpula. Como a Grã-Bretanha é uma ilha, o acesso ao país ainda se dá por barco, avião, trem ou carro. Desconheço eventuais radicais ou puristas que optaram por chegar na “Pérfida Albion” a nado para não utilizarem combustíveis fósseis. Também chega a ser irônico que muitos dos líderes europeus presentes na Cúpula, que serão extremamente críticos ao uso do carvão como fonte energética, terão suas casas aquecidas, em seus países de origem, com a queima do carvão e do gás, oriundos da Rússia que, neste sentido, tem sido coerente em suas palavras e ações. O fato é que a consistência não tem sido o objetivo primário destas grandes conferências.

O maior problema, no entanto, reside no fato de que  países que têm muito pouco a ensinar sobre a questão da preservação ambiental são os primeiros a utilizar dela para restrições protecionistas ou até tentar refrear o desenvolvimento de países que se têm industrializado nos últimos anos. Não se engane: até mesmo o mecanismo de doações, sempre aquém do necessário, tem o objetivo de exercer controle.

O fato é que, desde a ECO-92, muito se falou mas pouco se evoluiu. Recordo-me dos protestos do saudoso Cacique Juruna que, ao expor uma pele de onça para o mundo, era um ferrenho defensor de que era dever do brasileiro ter a consciência de preservar o País e não ser um mero recebedor de esmolas alheias para fazer uma coisa que lhe deveria ocorrer naturalmente. Além disso, desde aquela época, passaram no governo os mais variados matizes ideológicos. E a Amazônia piora, a situação da população não melhora e o Brasil pouco tem explorado do vastíssimo potencial de sua biodiversidade. As universidades brasileiras – com professores e estudantes sempre ativos na questão ambiental – deveriam ter mais polos de estudo na Amazônia. O governo federal, por exemplo, deveria incentivar cada vez mais pesquisas na região para sabermos aproveitar, de modo inteligente e sustentável, a riqueza daquela parte do globo.

Há alguns anos li assombrado um artigo de um Stephen Walt, professor de Relações Internacionais na Universidade de Harvard, na Revista Foreign Policy, em agosto de 2019, em que num recorte, ele afirmava o seguinte:  “O Brasil não é verdadeiramente uma grande potência, e ameaçá-lo com sanções ou mesmo com o uso da força, caso se recuse a proteger a floresta tropical, pode ser viável.” E, ao final, ele concluiu, na tentativa de dourar a pílula: “Para ser claro: não estou recomendando este curso de ação, nem agora nem no futuro. Estou apenas apontando que o Brasil pode ser um pouco mais vulnerável à pressão do que alguns outros Estados.” Ora, se isto não serviu como alerta em Brasília, tenho sinceras dúvidas sobre o quanto temos, de fato, interesse em manter a Amazônia no Brasil. Infelizmente, o atual governo, que sempre se manifestou ufanisticamente sobre a questão da Amazônia, de fato, muito pouco tem feito, inclusive criou um plano para pedir esmola internacionalmente e tentar buscar mais doações sob a alegação de que manter a Amazônia é caro para o Brasil. Lastimável esta postura entreguista.

O fato é que o Brasil tem um peso ambiental importante e deveria utilizar deste para projetar-se internacionalmente. É claro que não será a construção de uma nova Zona Franca de Manaus – outra ideia brilhante de nosso passado que nem vale a pena recordar – que fará a região crescer. A riqueza da Amazônia reside na exploração sustentável de sua biodiversidade, feita por empresas e pesquisadores verdadeiramente dedicados ao Brasil. O mundo seguirá na retórica atual por mais alguns anos até que venha uma nova “ameaça devastadora”. Espero, sinceramente, que até lá o Brasil já tenha sabido ler os reais interesses globais, saiba liderar numa área em que tem muito a contribuir e que, de fato, preserve o meio ambiente, a nossa maior riqueza.

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Marcus Vinicius De Freitas
Professor Visitante, China Foreign Affairs University
Senior Fellow, Policy Center for the New South
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