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Crise Urbana

Como a Covid-19 Transformou e Ameaçou a Vida Urbana em 2020 e 2021

Como a Covid-19 Transformou e Ameaçou a Vida Urbana em 2020 e 2021 - Imagem: Reprodução / Alexandre Suplicy / Pinterest
Como a Covid-19 Transformou e Ameaçou a Vida Urbana em 2020 e 2021 - Imagem: Reprodução / Alexandre Suplicy / Pinterest

por Amanda Pina Ferreira

Publicado em 21/05/2024, às 09h38


A pandemia de Covid-19 foi a principal ameaça à vida urbana entre 2020 e 2021, mas não a única. Uma caixa de Pandora foi aberta, incluindo o aumento nos preços de novos imóveis, conflitos sobre gentrificação, aumento da violência e, principalmente, divergências políticas entre as pessoas com a polarização. Epidemias sempre existiram e vão continuar a existir. É fato que se as pandemias se tornarem permanentes, muitos trabalhadores podem decidir nunca mais retornar às cidades e aos escritórios. Toda praga se espalha mais facilmente quando as pessoas estão aglomeradas, justificando o impacto mais severo das doenças contagiosas nas cidades, pelo menos inicialmente. Quando as pessoas estão incertas sobre o que acontecerá ao seu redor, tornam-se indiferentes a regras e religiões. Os impactos da pandemia têm sido mais severos para os menos privilegiados.

A violência na vida urbana também aumentou exponencialmente. Tal situação ressalta a urgência em abordar questões de segurança urbana para evitar que vivamos, num futuro já presente, num mundo de muros e fronteiras, aumentando ainda mais o isolamento social característico do século XXI. A falta de conexão – real e não digital – entre pessoas de diferentes estratos sociais resultará no desaparecimento das oportunidades econômicas, particularmente nas cidades.

Com a redução na arrecadação das prefeituras das grandes cidades, o serviço público será altamente afetado: escolas enfrentarão desafios para manter a qualidade do ensino, as forças policiais ficarão enfraquecidas, tudo isto levando a um agravamento da criminalidade. A tendência de segregação, onde os ricos se refugiam em apartamentos luxuosos ou casas no subúrbio, cercados por condomínios fechados, enquanto os mais pobres continuam a morar distantes, é uma realidade.

É importante, portanto, promover a desburocratização na aprovação de projetos e a necessidade de um plano diretor com um zoneamento mais flexível para as cidades. Essas medidas podem ser cruciais para atrair pessoas de volta às cidades, não apenas para trabalhar, mas também para viver nos centros urbanos. Os planos diretores deveriam priorizar a redução da distância entre o local de trabalho e a moradia, algo que, lamentavelmente, não foi uma prioridade em São Paulo (que promoveu a alteração de seu plano diretor, mas, infelizmente, com poucas melhorias) e nas principais metrópoles do Brasil.

A pandemia da Covid-19 revelou a necessidade de termos cidades melhor planejadas, com uma quantidade ainda maior de espaços públicos comuns. Neste sentido, observamos que a escassez de terrenos, com preços cada vez mais elevados, constituem um verdadeiro desafio para melhorar a qualidade de vida nas cidades. O principal entrave reside na limitação imposta pelo zoneamento das prefeituras pelo Brasil com relação ao potencial construtivo dos terrenos e na lentidão nos processos de aprovação de novos projetos. É, portanto, crucial reconhecer que a Prefeitura Municipal de São Paulo, por exemplo, estabeleceu durante décadas um zoneamento excessivamente restrito, resultando em um potencial construtivo reduzido quando comparado a diversas metrópoles globais. Possuímos terrenos disponíveis, mas a falta de potencial construtivo e leis que complicam a viabilidade de novas construções, como a outorga onerosa, contribuem para essa limitação. Além disso, a iniciativa pública é lenta na melhoria e ampliação da malha viária para comportar o aumento da densidade nessas regiões.

As restrições à oferta de imóveis é um dos temas mais importantes da atualidade. Quanto mais restritivas mais afetam o custo dos imóveis, o que deteriora o acúmulo financeiro, a poupança, a qualidade de vida, trabalho, o custo da infraestrutura e a convivência social. Para ilustrar, enquanto na maior parte da cidade de São Paulo a construção é permitida apenas até duas vezes o potencial do terreno – e quando próximo às estações de metrô até seis vezes, mas com um custo alto de contrapartidas financeiras – outras cidades no mundo possibilitam construir até dez vezes o potencial do terreno.

A morosidade na aprovação de projetos compromete o encontro entre oferta e demanda. A demanda cresce, mas a oferta, que passa pela aprovação das prefeituras, não acompanha na mesma velocidade, implicando um aumento desproporcional nos preços dos imóveis. A restrição na oferta de imóveis inflaciona os preços dos terrenos e, consequentemente, dos imóveis. E o menor potencial construtivo em determinadas regiões da cidade – geralmente as mais afluentes – resulta no encarecimento no preço dos imóveis.

O aumento do aproveitamento dos terrenos, com redução do desperdício de espaços, construindo-se mais com menos, aumentaria, substancialmente, a produtividade, otimizando recursos de maneira inteligente. As regulamentações em vigor que restringem novas construções, ao proteger os preços dos imóveis mais caros, excluem os mais pobres e os jovens que buscam residir em bairros densos e próximos aos centros urbanos. O fim dessas restrições e burocracias para a construção, além da desburocratização do sistema de aprovação, constituem necessidades prementes que transcendem a esfera política, em prol do desenvolvimento e da viabilidade habitacional em nossas cidades.

A melhoria na qualidade da vida urbana é essencial, incluindo-se o respeito quanto ao estilo de vida, cultura, facilidade de locomoção, saúde, qualidade do ar e impacto ambiental. É fundamental compreender que o avanço na política demanda comprometimento. O poder público tem um papel fundamental na melhoria das cidades. É necessário encarar seriamente a melhoria da segurança pública e da política habitacional. Enfim, é imperativo que os governos compreendam que, para prevenir pandemias, devem capacitar os indivíduos a construírem seus próprios caminhos. Cidades demandam governos eficazes e ágeis, mas também indivíduos com liberdade para colocar suas ideias em prática. É hora de sermos mais pragmáticos.

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