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COLUNA

Líder indígena confronta Lula sobre omissão na defesa dos povos indígenas e cobrança de ações concretas

Líder indígena confronta Lula sobre omissão na defesa dos povos indígenas e cobrança de ações concretas - Imagem: Reprodução / PR / Ricardo Stuckert
Líder indígena confronta Lula sobre omissão na defesa dos povos indígenas e cobrança de ações concretas - Imagem: Reprodução / PR / Ricardo Stuckert
Agenor Duque

por Agenor Duque

Publicado em 15/09/2024, às 12h13


Na quinta-feira (12), durante a cerimônia que marcou o retorno do Manto Sagrado Tupinambá ao Brasil, a anciã da comunidade Tupinambá de Olivença, Maria Yakuy Tupinambá, fez uma cobrança direta ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT). Ela criticou a falta de transparência na negociação para trazer a peça de volta ao país e demandou que os povos indígenas sejam ouvidos nas discussões sobre a demarcação de terras, em especial diante da polêmica tese do marco temporal. A postura firme da líder Tupinambá expôs uma lacuna significativa entre o discurso do presidente e as ações concretas de seu governo.

Ao ouvir as reivindicações, Lula esquivou-se, apelando para o argumento de que "as coisas são mais fáceis de falar do que de fazer". Essa justificativa, no entanto, tem sido repetida pelo presidente em vários momentos, deixando claro que, apesar das promessas de campanha, há pouca disposição política para confrontar setores poderosos, como o agronegócio, que tem grande influência no Congresso. "Da mesma forma que vocês, eu também sou contra a tese do marco temporal", disse Lula, tentando suavizar a cobrança, mas logo emendou que, mesmo com seu veto, o Congresso derrubou a decisão.

O marco temporal, defendido por grandes fazendeiros e pelo setor do agronegócio, estabelece que novas terras indígenas só podem ser demarcadas se estivessem ocupadas por povos originários na data da promulgação da Constituição, em 1988. A tese é amplamente criticada por líderes indígenas, como Maria Yakuy, que apontam sua inconstitucionalidade e o risco de negar os direitos dos povos originários a territórios que foram historicamente usurpados. Enquanto Lula reafirmou sua posição contrária ao marco temporal, sua justificativa de que o Congresso agiu dentro da legalidade ao derrubar seu veto reforça uma imagem de omissão, já que ele não parece disposto a enfrentar diretamente as forças políticas contrárias aos interesses indígenas.

Durante o evento no Rio de Janeiro, Lula tentou listar as conquistas de seu governo para os povos indígenas, como a criação do Ministério dos Povos Indígenas e a nomeação de lideranças indígenas para cargos na Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai). No entanto, para líderes como Maria Yakuy, essas ações são meramente simbólicas e não resolvem as questões urgentes de demarcação de terras e proteção contra o avanço do agronegócio sobre territórios tradicionais. As comunidades indígenas continuam enfrentando violência, perseguições e invasões em suas terras, sem que o governo federal tenha agido de forma contundente para impedir esses abusos.

A líder Tupinambá foi clara em sua crítica, revelando que, mesmo diante do retorno de um símbolo tão importante quanto o Manto Sagrado, os povos indígenas permanecem marginalizados nas decisões do governo. Lula, em resposta, rebateu de maneira defensiva, dizendo que, se tivesse o poder que Maria Yakuy acreditava que ele tem, estaria comemorando "a vida de milhões de indígenas que morreram nesse país escravizados pelos colonizadores europeus". A fala do presidente, no entanto, soou mais como uma tentativa de desviar a atenção das cobranças do que como uma resposta concreta às demandas urgentes apresentadas pela líder indígena.

Lula reconheceu que, para aprovar medidas no Congresso, precisa negociar com forças que não compartilham seus ideais. Contudo, isso só revela uma postura de submissão às forças do agronegócio, o que contraria seu discurso de apoio aos povos indígenas. A realidade política apresentada por Lula demonstra que, apesar de suas declarações públicas, seu governo tem sido incapaz de garantir os direitos básicos dos povos originários, cedendo aos interesses dos grandes proprietários de terras e do setor agrícola.

O próprio marco temporal, que o presidente diz repudiar, segue sendo debatido no Congresso e no Supremo Tribunal Federal (STF). Em setembro de 2023, o STF rejeitou a tese, mas o Congresso, apoiado pela bancada ruralista, aprovou um projeto de lei que retoma a ideia. Embora Lula tenha vetado parcialmente o texto, seu veto foi derrubado em dezembro do mesmo ano. Essa série de eventos escancara a fraqueza do governo na defesa efetiva dos direitos indígenas, que seguem sendo desrespeitados enquanto o presidente se mantém em uma posição de aparente impotência política.

As críticas de Maria Yakuy e de outros líderes indígenas durante a cerimônia revelam a insatisfação crescente das comunidades indígenas com o governo Lula. Enquanto o presidente tenta se posicionar como um defensor dos direitos desses povos, a realidade das políticas públicas adotadas até agora mostra um cenário de omissão e lentidão na implementação de ações concretas. A frustração dos povos indígenas é justificada pela falta de progresso nas demarcações e pela crescente influência do agronegócio no governo e no Congresso, o que coloca em risco territórios ancestrais e a própria sobrevivência de diversas etnias.

O futuro das terras indígenas no Brasil permanece incerto, e a pressão sobre o governo Lula para agir de forma mais decisiva só aumenta. Enquanto a tese do marco temporal segue sendo debatida, as comunidades indígenas continuam lutando por seus direitos, cobrando transparência e, sobretudo, ação. As palavras do presidente, sem ações que as respaldem, têm se mostrado insuficientes para garantir a justiça que os povos originários tanto esperam.

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