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Prerrogativas da advocacia são direitos do cidadão

Imagem: Divulgação
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Adriana Galvão

por Adriana Galvão

Publicado em 20/02/2024, às 09h43


A Declaração Universal dos Direitos Humanos é clara logo no primeiro parágrafo do seu artigo 11: “Todo ser humano acusado de um ato delituoso tem o direito de ser presumido inocente até que sua culpabilidade tenha sido provada de acordo com a lei, em julgamento público no qual lhe tenham sido asseguradas todas as garantias necessárias à sua defesa”.

Garantir a defesa, entre outros aspectos, significa propiciar ao acusado, seja quem for, condições de contar com um advogado. O papel desse profissional reveste-se de inalienável caráter humanista e sua atuação não pode ser cerceada, em nome dos direitos do cidadão por ele representado. Por isso o advogado possui prerrogativas estabelecidas em lei.

No momento em que a Ordem dos Advogados do Brasil - tanto seu Conselho Federal quanto sua Seção de São Paulo - contestam medida do ministro do Supremo Tribunal Federal Alexandre de Moraes impedindo a comunicação entre advogados de pessoas investigadas no âmbito da Operação Tempus Veritatis, faz-se necessário lembrar que um dos mais graves erros da seara judicial - e também social - é confundir advogado com cliente e, pelo equívoco, comprometer o trabalho de defesa.

Em 2020, o Congresso Nacional aprovou projeto que resultou na Lei 14.365 / 2022, a qual alterou o Estatuto da Advocacia e reforçou a inviolabilidade das prerrogativas dos advogados. Os legisladores compreenderam que prerrogativa não é privilégio, e sim garantia de proteção do Estado a uma função fundamental às democracias.

Ocorre que a norma legal não veio acompanhada de uma mudança cultural que tornasse a sociedade e as autoridades cientes do significado das prerrogativas da advocacia, na verdade instrumentos para concretização do Estado Democrático. Daí serem corriqueiras atitudes como impedir ao advogado acesso aos autos de um inquérito, cassar-lhe a fala numa audiência, intimidá-lo mediante ameaça de violência ou ato violento de fato. No ápice violador, apreendem-se documentos no escritório do advogado como se ele fosse cúmplice do cliente.

A mídia poderia dar importante contribuição social ao esclarecer seu público sobre o múnus advocatício, mas parece que atua para confundi-lo, não raro tratando o advogado como se fosse ele próprio o réu, especialmente em casos que envolvem celebridades. Comportamentos desse tipo favorecem o desrespeito às prerrogativas da advocacia e faz com que a imprensa - ou parte dela - assemelhe-se a um quarto poder justiceiro.

Nesta sociedade persistentemente machista, a violação das prerrogativas da advocacia é ainda mais pronunciada para as advogadas mulheres. As criminalistas, por exemplo, sofrem violações nas visitas a clientes em presídios - muitas vezes não há agente penitenciário feminino para averiguar sua passagem pelo body scan (dispositivo que se assemelha a um aparelho de raio X), um exame em que é possível até perceber se a mulher está usando absorvente íntimo. Advogadas chegam a ser impedidas de visitar o cliente por usarem sutiã com abas de metal.

Há relato de uma advogada que entrou em trabalho de parto durante uma audiência, mas o juiz não suspendeu a sessão. Advogadas-mães que não têm com quem deixar o filho pequeno não conseguem deferência para realização de audiências por meio virtual.

Em tais cenários, exemplos vindos de cima poderiam influenciar positivamente autoridades e a sociedade, fazendo-as entender as razões das prerrogativas da advocacia. Certamente, se todos os membros do Supremo Tribunal Federal demonstrassem a lucidez do ex-ministro Celso de Mello, haveria avanço. Assim ele declarou, ainda no ano de 2013: “Nota-se, muitas vezes, incompreensão por parte de alguns órgãos do Estado - do Poder Judiciário e também dos Poderes Executivo e Legislativo - das prerrogativas desses profissionais, ou mesmo criando obstáculos ilegítimos ao normal desempenho pelo advogado de suas relevantes atribuições profissionais. As prerrogativas são, na verdade, direitos que competem muito menos ao advogado e muito mais às pessoas a quem o advogado dá assistência técnica. Isso é fundamental”.  

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