Estamos num dos momentos mais interessantes da história, num processo de transição hegemônica entre grandes potências, com o declínio dos Estados Unidos –
Redação Publicado em 03/06/2020, às 00h00 - Atualizado às 08h52
Estamos num dos momentos mais interessantes da história, num processo de transição hegemônica entre grandes potências, com o declínio dos Estados Unidos – apesar de toda a campanha do Presidente Donald J. Trump de tornar a América Grande Novamente – e a ascensão da China – com sua política de Rejuvenescimento. A crise do Covid-19 é a disrupção histórica que marca o início do Século Asiático.
Neste processo, observarmos, de modo claro, que os países asiáticos, liderados pela China, souberam enfrentar positivamente a pandemia. Apesar das inúmeras teorias conspiratórias, com o objetivo de criar um bode expiatório para esconder a ineficiência ou simplesmente difamar, não há dúvida de que a transição centro econômico e do poder global do Atlântico para o Pacífico é irreversível.
Em documento recentemente emitido pela Casa Branca sobre o relacionamento sino-americano se nota um rosário de reclamações e queixas de Washington quanto a Beijing. Uma leitura aprofundada do documento revela, no entanto, que a China está sendo culpada por justamente ter adquirido um nível de infraestrutura e competitividade que, de algum modo, a colocaram numa posição de superioridade competitiva. O próprio chanceler brasileiro, na fatídica reunião ministerial, revelou que a globalização basicamente “deu errado” porque colocou no centro do sistema liberal internacional a China.
Isso preocupa. Como sempre, observamos que o Brasil e seu establishment de Política Externa, ao invés de acompanhar as ondas de mudança, polariza a questão entre aqueles que querem confronto e outros que apelam para a cooperação. O Brasil comprou a ideia do “soft power”, acreditando que, de fato, com esse poder brando, pudesse ter qualquer tipo de influência efetiva na pauta global. Não é a realidade. Já erramos no passado, ao nos distanciarmos dos Estados Unidos, particularmente no governo Fernando Henrique Cardoso, que praticamente enterrou a ideia de uma Área de Livre Comércio nas Américas; mantivemos uma relação instável no período Lula, Dilma e Temer, e agora, nos equivocamos ao buscar uma aproximação maior, quando, claramente, o Brasil não é – nem será – prioridade na agenda norte-americana. Para comprovar isso, basta observar que o comércio bilateral não deu os resultados positivos que tanto se apregoaram em razão da suposta amizade entre Trump e Bolsonaro.
O que falta, de fato, é compreender que o Brasil concorre diretamente com os Estados Unidos em sua pauta de poder regional e nas exportações. Basta relembrar que 40% do acordo comercial entre Estados Unidos e China é de natureza agrícola. Inexiste, nesse aspecto, sinergia, mas competição direta. Equivoca-se quem acredita o contrário. Basta relembrar o tema de Trump: “America First”. Que parte de primeiro não compreendemos?
As críticas e comentários retratando a China na temerosa reunião ministerial, além das constantes provocações e difusão de teorias conspiratórias revelam um total desconhecimento da realidade internacional, desconsiderando, a alteração na geoeconomia. Há mais de dez anos que a China se tornou o maior parceiro comercial do Brasil – aliás, não só do País mas de cerca de 130 países no mundo. Tornou-se, também, um dos maiores investidores. É hora de o Brasil parar de tratar a China como mero comprador de produtos e commodities brasileiros e sim como sócio efetivo nas relações internacionais e na construção da nova ordem mundial.
Por fim, engana-se totalmente quem acredita que a China é dependente do Brasil em matéria agrícola. O Presidente da China, Xi Jinping, recebe constantemente chefes de estado e governo, oferecendo produtos agrícolas, além dos Estados Unidos, que são o nosso maior concorrente.
A ordem internacional, sem dúvida, será diferente nos próximos anos. O Brasil deveria tratar a China, efetivamente, como parceiro estratégico, modificar a natureza do relacionamento e elevar o patamar do relacionamento, inclusive acelerando um possível acordo comercial – agora sem as amarras da Argentina no Mercosul.
Já erramos muito e com elevado custo. É importante entender a mudança dos ventos para elevarmos o Brasil a um novo patamar de relevância global. Política Externa é assunto sério e não para provocações por Internet ou reuniões sem uma agenda efetiva para o desenvolvimento do Brasil.
Marcus Vinicius de Freitas, Professor de Direito e Relações Internacionais, na Universidade de Relações Exteriores da China
Twitter/Instagram: @mvfreitasbr
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