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Fernando Padula – Arquivo 128 Anos: Os Dilemas da Longevidade

Arquivo 128 Anos: Os Dilemas da Longevidade

Fernando Padula – Arquivo 128 Anos: Os Dilemas da Longevidade
Fernando Padula – Arquivo 128 Anos: Os Dilemas da Longevidade

Redação Publicado em 15/03/2020, às 00h00 - Atualizado às 10h49


Arquivo 128 Anos: Os Dilemas da Longevidade

O tempo impacta as instituições criadas pelo ser humano, assim como a ele próprio. Traz dilemas próprios a cada etapa de existência, desafios que possibilitam a sua continuidade ou desaparecimento. Assim é com os arquivos, assim é com o Arquivo Público do Estado de São Paulo, que completa 128 anos.

No século XX superamos o desafio do “arquivo morto”, quando se socializou a concepção de que os arquivos lidam com informações vivas, que podem lançar luz desde seu nascedouro, sobre o presente, sobre o passado. Não foi um pequeno desafio. Mobilizou profissionais por décadas, exigindo que os arquivistas rompessem sua confortável bolha dos tempos passados e se lançasse aos espaços onde os documentos nascem, no presente, trabalhando de modo interdisciplinar com outros saberes e práticas. Desafio superado na teoria, que ainda navega nas águas turbulentas da armadilha dos hábitos. Mas, nesse ponto, o APESP tem sido um farol para outros arquivos e arquivistas. Considerar a potência de uma informação documentada no seu nascedouro não é mais uma maluquice, mas um trabalho sério de compreensão da dinâmica das fontes e dos atores-autores que se ocupam da gestão e de garantir essa identidade e qualidade do registro da informação.

As instituições são formas, mais ou menos fechadas, que ganham vida por meio das pessoas que as animam nos diferentes momentos da sua trajetória. O APESP contou com pessoas que compreenderam e enfrentaram o desafio, formaram uma linha de frente, estudando e articulando-se com outros profissionais. Foi assim capaz de, com estudiosos de outros estados e países, promover uma atualização profunda na compreensão do papel dos arquivos, não apenas como relicários para a aproximação de poucos, mas como potencial para o exercício da cidadania – movimento ainda em processo e que se depara, como é natural, com novos desafios.

Um dos grandes desafios é garantir a autenticidade e a qualidade dos registros em sistemas informatizados, que podem permitir a manipulação e/ou perda de informações. Não é pequeno esse desafio. Há uma justificável ansiedade pelo papel zero, por muitos e bons motivos, inclusive a agilidade da informação em maio digital. Mas, a preparação dos atores-autores para registros seguros e de qualidade envolve aperfeiçoamento de sistemas e de práticas, já que muitos dos sistemas disponíveis não garantem essa segurança, crucial para um documento arquivístico. E o APESP logo enfrentou esse desafio em parceria com as áreas de Informática do governo.

Outro desafio estratégico é colocar os arquivos entre as muitas fontes de informação contemporâneas vivamente utilizadas para leitura dos acontecimentos e fazê-lo de modo a que possa ser um forte e verdadeiro contraponto à manipulação da s informações e as fake News.

Esse é o mais grave desafio contemporâneo: trazer o arquivo como um dos protagonistas da cena política e, ao mesmo tempo, garantir que ele seja confiável para cidadãos, jornalistas, gestores, “influencers digitais”.

O APESP não ficou velho nos seus bem vividos 128 anos, venceu muitas crises, avançou, se renovou, conseguiu capitanear mudanças que o século XX exigiu, penetrando nos arquivos correntes da gestão, trabalhando sistematicamente. Tem enfrentado o desafio do século XXI de conformar um sistema informatizado que garanta a qualidade e a segurança das informações produzidas pelos muitos e diversificados atores-autores do governo do Estado de São Paulo. E, mais, de incorporar novos processos de trabalho às rotinas dessas centenas de servidores.

Porém, é preciso que o APESP cuide também do desafio de se inserir-ativamente no cenário dos produtores de informação contemporâneos, trazendo sua contribuição segura e confiável sobre as sucessivas gestões estaduais. Parece que essa empreitada requer rever e renovar algumas práticas que ainda rondam os arquivos, como a sua suposta necessária passividade na produção de informações. O arquivista do século XXI é um arquivista-pesquisador que traz a luz a informação do acervo e a insere no infomar, para as leituras e análises de modo a contribuir para o debate da sociedade.

FERNANDO PADULA é Coordenador do Arquivo Público do Estado de São Paulo. Mestrando em Cidades Inteligentes e Sustentáveis. Servidor efetivo do Estado de SP, já foi Chefe de Gabinete da Secretaria Estadual de Assistência e Desenvolvimento Social de SP e Chefe de Gabinete da Secretaria Estadual da Educação de SP.

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