Desde o adeus às quadras, Marcelo Hargreaves havia se afastado do vôlei. O contato com a modalidade passou a se resumir às peladas com os amigos. Com
Redação Publicado em 21/10/2021, às 00h00 - Atualizado às 18h04
Desde o adeus às quadras, Marcelo Hargreaves havia se afastado do vôlei. O contato com a modalidade passou a se resumir às peladas com os amigos. Com passagens pelas seleções de base e por clubes do Brasil e do exterior, o ex-jogador foi trabalhar no setor de marketing, com especialização em Negócios pela Harvard Law School. Continuou, porém, ligado ao esporte. Executivo de uma agência de marketing esportivo, lidou diretamente com algumas das principais ligas do mundo, como a NBA e a NFL. Até que chegou o convite para voltar às origens.
Em junho deste ano, Marcelo foi anunciado como novo diretor da Superliga e de Novos Negócios na Confederação Brasileira de Vôlei. Assumiu a responsabilidade de mudar a mentalidade e dar uma nova visão à principal liga do país. A nova temporada, que terá início neste sábado, ainda não tem as mudanças expressivas de direcionamento que o dirigente prevê para os próximos anos. Ele, no entanto, quer dar início a um novo modelo de gestão, tendo as ligas americanas como parâmetro de trabalho.
– Nos últimos anos, a gestão permaneceu muito no campo humano. Quantos jogadores formaram, quantos estão jogando, quantos estão na seleção. Quantos títulos. E os títulos são muito importantes. Mas não podem ser o único meio de avaliação. Essa diferença de visão já é muito relevante por si só. É entender que a Superliga não é mais uma atividade que visa o fomento do esporte, pura e simplesmente. É um negócio, do ramo do entretenimento, que tem de entregar, no fim do dia, superávit ou lucro. E não é isso para a CBV. É para seu ecossistema, clubes e atletas – disse Marcelo, que foi responsável pelo desenvolvimento de marca e negócios da NFL no Brasil nos últimos cinco anos.
Marcelo afirma que o modelo de gestão do vôlei no Brasil se transformou em referência através dos resultados. Acredita, porém, que o formato não acompanhou a evolução do esporte como modelo de negócios.
– Justiça sendo feita, e eu acho que isso é inegável, a missão da CBV de desenvolver o esporte no Brasil é muito bem feita. Estamos falando de uma predominância que eu não lembro de ter visto no esporte no Brasil. Tanto no vôlei feminino quanto no masculino, na quadra e na praia. Não vi isso acontecer. Mas, fazendo essa mea-culpa, historicamente, as confederações viabilizaram esse fomento através da produção de eventos. Mas, quando se joga na linha do tempo, o esporte evoluiu para o ramo de negócio e entretenimento. É um modelo transversal. Quanto melhor a qualidade do jogo, melhor o negócio. Mas a maneira de alimentar a base continua sendo o negócio.
Marcelo afirma ter sido procurado ainda no ano passado, ainda antes das mudanças de estrutura que a CBV enfrentou após as eleições na entidade. A ideia era modernizar a gestão para tornar a Superliga um negócio mais viável. O dirigente, porém, acredita que é necessário que os clubes também evoluam e se tornem menos dependentes de um único patrocinador.
– O vôlei nunca vai deixar, em um curto prazo, de ser um esporte ancorado em patrocínio e exibição de marca. Não vai ser. Mas se for pensar que hoje há clubes que não cobram ingresso, mas oferecem um espetáculo de qualidade, que não vendem produtos licenciados, não exploram a venda de bebidas e comidas em um dia de jogo… São linhas básicas de receita em qualquer evento esportivo ou de entretenimento. Não existe nenhum cenário em que a liga melhore sem que os clubes melhorem. Não, os clubes precisam melhorar junto. O caminho é muito natural. Aqueles que não acompanharem essa visão são aqueles clubes que têm um ciclo de vida de três, quatro anos, e ficam pelo caminho.
As mudanças para a nova temporada ainda são pontuais. Como primeiro ato, Marcelo mudou a forma de elaboração da tabela. Para tornar a competição mais atrativa durante toda a temporada, quis espalhar os maiores clássicos pelo campeonato, e não mais apenas nos finais de turno.
– A tabela era tão simples quanto: os confrontos eram definidos pela disputa entre primeiros e últimos do ano anterior. Então, os maiores clássicos ficavam sempre para o fim dos turnos. O formato era basicamente esse todos os anos. E os times mais fracos sempre tomavam porrada no início. Quando você olhava a grade de transmissão, que deve ser atrativa para o fã, os principais jogos ficavam para o fim, e você tinha uma dificuldade maior de colocar na grade os times de menor investimento. Então, criamos critérios de uma maneira que tivéssemos esses maiores confrontos ao longo do ano inteiro. Queremos gerar o interesse do fã do início ao fim. Um calendário mais racional.
Confira outros pontos da entrevista:
Hegemonias na Superliga
Quando você tem foco só em vitória, é o que vai acontecer. A longo prazo, isso é horrível para o campeonato. Isso dá previsibilidade, tira a emoção e o que o mercado entrega de melhor. Um filme na Netflix, você vê a hora que quiser. O esporte ao vivo é a última fronteira do imprevisível. Então, é isso o que esperamos entregar ao longo prazo. Essa diferença de visão, está havendo. Eu sinto isso. A gente está promovendo a integração muito grande dos atletas nisso. O atleta é o ponto central nisso tudo.
Conversas com os clubes
O foco da conversa tem sido no como e no porquê, e não no que. Acho que é o mais justo nesse momento. Acho que tenho sido muito bem recebido, os feedbacks, os comentários foram muito positivos. No que diz respeito aos pleitos comerciais e históricos dos clubes, conseguimos dar respostas muito positivas a partir de uma discussão muito mais técnica. E isso foi muito bem entendido nesse primeiro momento. Mas é um trabalho de formiguinha a médio e longo prazo. Temos muitos favores externos que exigem o curto prazo, desde o modelo esportivo brasileiro. Você quer resultado a curto prazo, vitórias logo ali.
Planos para os próximos anos
Eu acredito que, daqui a cinco anos, existem alguns pontos me deixariam muito felizes. Primeiro, que a gente tivesse clubes com um perfil mais voltado para o crescimento do negócio que unicamente voltado para o sucesso esportivo. Clubes que apostam muito mais no marketing, principalmente focado no relacionamento com os fãs. Alguém tem de gostar de vôlei para se tornar praticante. O segundo ponto é que tenhamos negócios mais sustentáveis. Mais clubes jogando e que não tenham a existência baseada em um único patrocinador, que decidiu o usar o vôlei como canal de comunicação. Esse é um modelo que está mudando.
Relação entre clube e comunidade
É preciso ter a simbiose entre clube e comunidade. Você pega o Osasco. Eles estão na mesma comunidade há muitos anos, o nome sempre foi “Osasco alguma coisa”. Não tem a concorrência de time de futebol na primeira divisão, basquete. Como município, não recebe outros grandes competidores de entretenimento, desde um megaconcerto. Essa identificação com a comunidade é a mesma coisa que acontece lá fora. Se você é de Milwaukee, você torce para os Bucks. Não tem muito mistério. O Minas nunca vai deixar de ser em Belo Horizonte. É arriscado depender de um único patrocinador. Queria, também, que a Superliga ocupe melhor o território nacional, envolvendo todas as regiões.
Presença de estrelas
Acho que a relevância é extrema. Mas não podemos ancorar o sucesso da liga a isso. Falamos de crises, mas também é relevante o fator cambial. No momento “off-crise”, a taxa nem nos favorecia tanto, era R$3 para US$1, mas a gente tinha jogadores Top 5 do mundo naquele momento jogando aqui. Já tivemos Taylor Sander, Kevin Le Roux, Piccinini, todos no ápice. Eu joguei lá fora. Os jogadores querem vir jogar no Brasil para melhorar. É muito relevante, atrai mais a atenção quando temos a presença de jogadores que são os reais astros. Mas precisamos trabalhar para que seja algo independente.
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Globo Esporte
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