Rogério Carvalho e José Luis Oreiro
Redação Publicado em 01/03/2021, às 00h00 - Atualizado às 15h50
Rogério Carvalho e José Luis Oreiro
Na semana passada, muito se debateu sobre os impactos da extinção dos mínimos obrigatórios de educação e saúde. Aparentemente, o tema será retirado da PEC 186, afastando, em princípio, o risco de desmonte do financiamento da educação e saúde públicas. No entanto, é preciso discutir os demais dispositivos do texto, que piorarão sensivelmente o regime fiscal brasileiro.
A previsão de equilíbrio fiscal intergeracional junto aos direitos sociais e de limites à dívida pública, a serem regulamentados por lei complementar, será especialmente nociva ao Brasil. É mais uma regra a se somar a um arcabouço fiscal rígido, sem paralelo no resto do mundo, composto pelo teto de gasto, resultado primário e regra de ouro. Para a União, a PEC também prevê que os gatilhos da EC 95 serão acionados quando a despesa obrigatória corresponder a 95% das despesas sujeitas ao teto.
Em função do teto de gastos, a despesa deve ser reduzida em relação ao tamanho da economia até 2036, independente da arrecadação. Além disso, havendo frustração de receitas, a despesa tende a ficar abaixo do teto, dada a meta de resultado primário. Ainda há a regra de ouro, que prevê orçamento corrente equilibrado, o que é inviável na baixa do ciclo, quandohá redução da receita. Tanto é assim que Reino Unido e Alemanha abandonaram a regra de ouro após a crise de 2008. Enfim, o regime fiscal brasileiro é estruturalmente acíclicoepró-cíclico “para baixo”, implicando corte de investimentos e gastos sociais em meio à crise eagravando o quadro econômico e social.
Com um limite de dívida, a rigidez fiscal será ainda maior. Em todo o mundo, a dívida pública vem se ampliando. Por exemplo, a Espanha tem dívida bruta de 123% e, mesmo não dispondo de moeda própria, adota regra segundo a qual o gasto cresce em linha com o PIB potencial, excetuando despesas como o seguro-desemprego.
O Brasil é endividado fundamentalmente em moeda local e, por definição, não pode quebrar na moedaque emite. Atualmente, a dívida é rolada em condições extraordinariamente vantajosas. Segundo informações do Tesouro, em janeiro houve emissões recorde para o referido mês e o custo médio do estoque da dívida caiu para 8,29% ao ano, valor mais baixo da série histórica. Com jurosbaixos (e até negativos) nos países centrais, os juros internosdeverão se manter em baixo patamar. Nestecontexto, cai por terra o argumento da economia ortodoxa de relação entre aumento da dívida e elevação das taxas de juros dos títulos da dívida pública.
Além disso, a dívida líquida do governo geral fechou 2020 em 67%, em torno da média de países em desenvolvimento. A análise de sustentabilidade de qualquer país deve levar em conta a dívida líquida e, portanto, seus ativos. No caso do governo geral, o principal ativo é a Conta Única do Tesouro Nacional – CUT, cujo saldo em dezembro de 2020 foi de 19,6%do PIB, maior valor da série histórica, mostrando que o Tesouro está bem posicionado para lidar com os vencimentos da dívida pública.
Isto é, o Brasil dispõe de condições favoráveis à expansão do gasto para combater a pandemia e recuperar a economia, mediante o aumento da dívida pública e a utilização dos recursos disponíveis na CUT (que implicarão, em algum grau, aumento das operações compromissadas para esterilizar a ampliação das reservas bancárias).A CUT é um passivo do Banco Central. O aumento de gastos públicos implica redução do saldo da CUT e lançamento de créditos nas contas dos agentes privados (por exemplo, beneficiários do auxílio emergencial e do programa emergencial de manutenção do emprego e da renda). Transforma-se, assim, o passivo não monetário (saldo da CUT) em passivo monetário, na medida em que os agentes passam a dispor de moeda para realizar gastos, que, com seus efeitos multiplicadores, gerarão renda e, em parte, reverterão em arrecadação pública.
O déficit do setor público implica superávit do setor privado,contribuindo, pelo estímulo à demanda,para o aumento do PIB e das receitas tributárias. Sendo assim, de onde vêm as restrições para ampliação do gasto? É preciso ter clareza que os limites são autoimpostos pelo emaranhado fiscal vigente. A PEC 186 pretende aprofundar tais restrições, de maneira que o impacto do ciclo econômico sobre as contas públicas seja um instrumento para justificara contenção de gastos, reduzir serviços públicos e até alienar ativos. Não é por outra razão que às regras bastante restritivas se sobreporia um subteto do teto (com vedações até mesmo para combater a pandemia, ainda que o teto seja cumprido), bem como um conjunto de medidas voltadas a conter o aumento da dívida. É como setransmutássemos a ideologia liberal em práticas institucionais que justificariam o ataque a serviços públicos.
A rigor, o teto de gastos já é um indutor para o ajuste fiscal permanente, tratando-se de limite à despesadeclinante em relação ao tamanho da economia. Convém lembrar que as despesas discricionárias têm sofrido redução real desde a instituição do Novo Regime Fiscal. Além disso, coma reforma da previdência, os gastos do Regime Geral de Previdência Social tendem a se estabilizar como proporção do PIB e os gastos de pessoal tiveram queda real entre 2019 e 2020.
Ou seja, não há descontrole do gasto e o governo pretende usar a PEC 186 como chantagem institucionalizada: para pagar alguns meses de auxílio emergencial, pede em troca um regime fiscal que implodirá de vez a capacidade da política fiscal estabilizar a economia e financiar serviços públicos essenciais à população.
O Brasil precisa da retomada imediata do auxílio emergencial e do financiamento de ações de combate à pandemia, por exemplo, garantindo recursos para o financiamento de leitos de UTI, que foi cortado pelo governo federal, mesmo com o aumento do número de pacientes de COVID.Em meio a mais de 10 milhões de casos e 250 mil óbitos, o resto é chantagem, às custas da vida, dafome e do desemprego, que já alcança 14 milhões de brasileiros.
Rogério Carvalho: Senador da República (PT/SE), terceiro secretário da Mesa Diretora do Senado Federal e membro da Comissão de Assuntos Econômicos do Senado Federal.
José Luis Oreiro: Professor do Departamento de Economia da UnB.
Leia também
Governo busca proibir Meta de usar dados de usuários para treinar IA
Manifestantes barram passagem de Bolsonaro em Rodovia no Pará
Membro do partido Democrata pede que Biden abandone sua candidatura
VÍDEO: Maíra Cardi ignora comentários e fala sobre "chupar rola" na frente da filha
ONLYFANS - 7 famosas que entraram na rede de conteúdo adulto para ganhar dinheiro!