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Inclusão

Síndrome de Down: pessoas com a condição avançam em saúde e educação e enfrentam novos desafios

Foram 1.978 casos da trissomia do cromossomo 21, de 2020 a 2021 no país, diz Ministério da Saúde

Foram 1.978 casos da trissomia do cromossomo 21, de 2020 a 2021 no país, diz Ministério da Saúde - Imagem: reprodução Freepik
Foram 1.978 casos da trissomia do cromossomo 21, de 2020 a 2021 no país, diz Ministério da Saúde - Imagem: reprodução Freepik

Mateus Omena Publicado em 21/03/2023, às 13h00


Nesta terça-feira (21), é celebrado o Dia Internacional da Síndrome de Down, que também é conhecida como trissomia do cromossomo 21.

Olhos puxados, rebaixamento do osso do nariz entre os olhos, dobra nas orelhas, pescoço baixo, pés e mãos pequenos são algumas das características mais facilmente percebidas em relação às pessoas que possuem essa condição. No entanto, a definição dela e a sua natureza continuam desconhecidas para muitas pessoas.

Por definição, a Síndrome de Down consiste em uma alteração genética provocada pela divisão celular durante a divisão embrionária. Os portadores da síndrome, em vez de dois cromossomos no par 21 (o menor cromossomo humano), possuem três.

De acordo com dados mais recentes do Ministério da Saúde, foram notificados 1.978 casos de Síndrome de Down de 2020 a 2021 no país. A prevalência geral da trissomia do cromossomo 21, neste período, foi 4,16 por 10 mil nascidos vivos. Em relação às regiões com maiores prevalências, destacam-se o Sul, (5,48 por 10 mil) e o Sudeste (5,03 por 10 mil).

Verdades e mitos sobre as condições de saúde

Por outro lado, ainda não se sabe por que a Síndrome de Down acontece e existem variados fenótipos, como em qualquer síndrome genética. Mesmo assim, os avanços da medicina permitem aos especialistas uma avaliação prévia do feto, ajudando na realização do diagnóstico durante a gravidez.

Em entrevista ao Diário de S.Paulo, o Dr. Zan Mustacchi, médico pediatra no Centro de Estudos e Pesquisas Clínicas de São Paulo (CEPEC) e especialista em genética médica, explicou que os recursos tecnológicos da medicina permitem descobrir previamente seu uma mãe está esperando um bebê com síndrome de Down e detalhou os procedimentos.

“Quando se trata de bebês recém-nascidos, existem sinais clínicos que são caracterizados por excesso de dobras nos membros e a face que lembra um indivíduo de origem oriental. Essa é a grande imagem fenotípica", disse. "Se formos mais cautelosos, precisamos ter certeza que esse bebê não tem problemas no coração. É necessário fazer o exame do coração para afastar a hipótese de cardiopatia, que é 50% dos casos em pessoas de trissomia do cromossomo 21”.

Segundo o Dr. Zan, é mais fácil identificar a trissomia do cromossomo 21 em fetos, principalmente pela variedade de métodos. Ele apontou que o mais preciso de todos, que dá um diagnóstico exato da condição, é o exame de BVC (Biópsia de Vilo Corial).

O procedimento consiste na extração de um pedaço da placenta e avalia como estão os núcleos e cromossomos destas células.

No entanto, outro método bastante comum no Brasil é o exame de Nipt (teste pré-natal não invasivo, na sigla em inglês). “Um estudo que identifica DNA acidental no sangue materno. O exame é feito com o sangue do braço da mãe, que dá a assertividade e precisão que chega a 98% do diagnóstico”.

Embora a medicina ainda tenha dificuldades para ‘determinar’ as causas da trissomia do cromossomo 21, o especialista explicou que pesquisas recentes vêm apresentando possíveis fatores que resultam na condição, principalmente pelo estado dos pais.

“Na literatura médica de hoje, as implicações primárias são conhecidas pela população, uma delas é a idade dos genitores, em especial a idade da mãe. Acima de 35 anos de idade o risco é considerável de 1 para 500, até os 30 anos é 1 para 750, e a situação é mais provável em idade mais velha, aproximadamente 49 anos”.

Um mito que é bastante difundido na sociedade em relação às pessoas com síndrome de down é sobre a baixa imunidade, principalmente quando crianças, deixando-os vulneráveis a qualquer doença. Mas, o Dr. Zan ressaltou que isso não ocorre de modo generalizado e na mesma intensidade a todos.

“A imunidade é mais comprometida em pessoas com trissomia do cromossomo 21, mas é afetada pela disfunção de um glândula chamada timo, que é de responsabilidade imunológica em Síndrome de Down”, esclareceu. “A Síndrome tem uma disfunção primária atípica, e está ligado a maturação do sistema responsável pelos linfócitos, que ajuda na defesa do organismo. A maturação desse sistema celular é ligado a função do timo, que correlacionado com o aumento do risco de desenvolver infecções prematuramente.”

Uma nova forma de amar

Para a maioria das famílias, o diagnóstico de síndrome de down em um filho não é uma notícia fácil, principalmente por deixar muitos pais surpresos.

Além de preconceitos e falta de informações, muitos pais sofrem ao imaginar as dificuldades de criar uma criança nessas condições e as limitações que ela pode ter ao longo da vida. No entanto, quando se recebe a orientação correta, o bom senso abre para uma nova percepção do caso.

Este foi o caso de Henri Zylberstajn, que em 2018 foi impactado quando soube que seu filho, Pedro, havia nascido com a trissomia do cromossomo 21.

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Henr e a psicóloga Marina Zylberstajn, juntos há 14 anos, souberam um dia após o parto que o filho nascera com síndrome de Down / Imagem: reprodução Instagram

Durante uma conversa com o Diário de S.Paulo, o engenheiro civil, de 43 anos, contou que ele e sua esposa, Marina, foram informados sobre o estado de saúde da criança após o parto. Segundo ele, não foram encontrados indícios ou suspeitas de síndrome de down durante a gestação, por isso, os dois foram pegos de surpresa.

“Eu mesmo não recebi bem a notícia da síndrome de down, pelo fato de não ter informação e não ter convivido com pessoas com deficiência ao longo da minha vida. Quando o médico falou que o Pedro tinha a Síndrome de Down, eu comecei a fazer associações de deficiência com doença, com incapacidade, e infelicidade, que são correlações que sei hoje que são equivocadas. Mas, na época eu não sabia e me fizeram ter muita preocupação. Por isso, o momento do diagnóstico foi muito difícil”.

No entanto, a maneira como Henri lidou com a situação mudou radicalmente quando se aproximou de pessoas com a trissomia e percebeu que Pedro poderia ser feliz e capaz de muitas coisas se tivesse o apoio adequado.

“A minha chave começou a virar quando comecei a enxergar que havia luz no fim do túnel, que era poder entender que o Pedro poderia ser feliz, ter a vida dele, fazer o que quisesse e pudesse, da mesma forma que eu faço o quero e posso. Conheci pessoas, tive informações, e fui acolhido, prometi a mim mesmo que ninguém olharia para o meu filho, da mesma forma como eu olhava para esse grupo de pessoas, por pura falta de informações e convivencia”.

E acrescentou: “Mas, nada como o tempo e poder falar com crianças com síndrome de down, até com pessoas com a condição que eram felizes e eram protagonistas da própria história, que casavam, moravam sozinhas, se divertiam”.

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Pedro, conhecido como Pepo, foi quem inspirou o empresário a criar rede de inclusão e de apoio a famílias / Imagem: reprodução redes sociais

Henri e Marina também são pais de Felipe, de 7 anos, e Nina, 10, que foram essenciais para dar ao irmão caçula o suporte necessário para se desenvolver e se sentir amado, independente de sua condição. Mesmo assim, o engenheiro ressalta a importância de uma rede de apoio para buscar referências, conhecimentos e soluções.

Segundo Henri, essa conexão começou com uma vizinha, chamada Sílvia, que também é mãe de uma menina com síndrome de down, que o ajudou a validar seus sentimentos e ressignificar o modo de lidar com a deficiência. E com o tempo, a própria família passou a ser o alicerce para encarar desafios e celebrar conquistas.

“Uma rede de apoio é muito importante, porque ajuda a compartilhar angústias, celebrar e compartilhar vitórias e ajuda mútuas nessa jornada que não costuma ser fácil. Isso é importante para encarar os desafios da melhor maneira possível, oferecendo ao Pedro o apoio que ele precisar, sempre que necessário para que tenha um pleno desenvolvimento”.

O Céu é o limite

Lidar com a Síndrome de Down de maneira saudável e empática é um desafio para muitas famílias, devido à falta de conhecimentos sobre a condição e discriminação entre os parentes.

Mesmo assim, o Dr. Zan aponta que os médicos têm o dever ético de orientar as famílias a partir da confirmação do diagnóstico, de modo que os pais olhem para os próprios filhos pela sua essência, e não apenas pela trissomia.

“A melhor maneira possível é enxergar que uma criança com a síndrome de down tem tudo que uma criança comum tem. Portanto, a criança com trissomia do cromossomo 21 deve ser tratada como qualquer outra”.

O especialista considera que há dificuldades que os pais precisam encarar com sabedoria, pois, diferente de uma criança comum, o bebê com síndrome de down terá que fazer mais avaliações cardíacas, do peso, articulação e funcionamento da tireoide. Além do teste do pezinho e exame de metabolismo. Em alguns casos, o indivíduo deverá fazer fisioterapia, fono e terapia ocupacional.

Mas, o pediatra deixou claro que o fator que estimula um forte vínculo da criança com os pais, especialmente a mãe é a amamentação. “A mãe precisa ser orientada na amamentação, porque esse talvez seja um dos pontos de maior importância para reduzir riscos de qualquer comprometimento imunológico e favorecer o vínculo entre a mãe e o filho, de tal forma que esse estímulo cresça e se sedimente, dando o contexto claro que há um crédito que deve ser dado à criança e quebrar paradigmas que existiam em relação às condições pejorativas com trissomia 21”.

Essa ‘barreira’ foi quebrada por Henri Zylberstajn pela proximidade com outras crianças com trissomia, suporte médico e estímulo da própria família.

“Oferecemos ao Pedro um processo de estimulação bastante completo, inclusive de modo precoce. Ele teve acesso a fisioterapia, a sessões de terapia ocupacional, fonoaudiologia, desde que ele nasceu. E fomos incrementando isso com música e esporte. Quando ele fez 3 anos, ele foi matriculado em uma escola regular, estudando com outras crianças, independente das características, com ou sem deficiência”, explicou.

“Em casa, há um suporte de uma equipe multidisciplinar, e de toda a família, nesse caso eu, a Marina, Lipe e a Nina, além de avós e tios. Todos envolvidos em encarar a deficiência como uma de suas características, mas não como a característica limitante”.

Em relação à educação do Pedro, Henri reforçou que o direito à inclusão de crianças com deficiência em escolas regulares traz não apenas o senso de pertencimento, como também a chance de outras crianças conviverem com as diferenças e reconhecerem seus valores.

“Temos a sorte de ele estar em uma escola que enxerga diversidade não como fraqueza, mas como potência. E que vê na inclusão e nas diferenças uma oportunidade de aprendizado coletivo. E é nesse contexto que ele está se desenvolvendo, junto com os amigos brincando e aprendendo. E de um lado sendo acolhido, e por outro oferecendo oportunidade aos colegas de conviver com ele. É uma relação benéfica não só para o Pedro, mas também para todos”.

Uma nova perspectiva

Apesar das dificuldades iniciais, ter um filho com síndrome de down transformou totalmente a vida de Henri e sua família, tanto que ele e a esposa passaram a se envolver com o terceiro setor e fundaram o Instituto Serendipidade. De acordo com o engenheiro, o objetivo da organização é oferecer suporte às famílias com crianças com deficiência e outras doenças raras.

Há cinco anos o Instituto trabalha com programas esportivos, de saúde, educação e envelhecimento, além de parcerias com pessoas e entidades de diversas áreas. Segundo Henri, a organização já impactou mais de um milhão de pessoas.

“Esse trabalho impactou positivamente a minha vida, porque me ajudou a me conectar com novas pessoas, ideias, realidades, que me fizeram construir novos imaginários de cidadania para melhor compreender essa sociedade plural. Durante muitos anos, eu só enxerguei aquilo que eu via como reflexo da bolha em que eu vivia e o nascimento e a imersão nesse mundo da inclusão e diversidade ampliou meus horizontes e me ensinou a vida de outra forma”.

Nos últimos anos, o terceiro setor vem desenvolvendo ações que trazem resultados positivos na vida de crianças com trissomia do cromossomo 21, especialmente em educação, saúde e desenvolvimento de habilidades.

Em São Paulo, uma das organizações mais influentes é Associação para o Desenvolvimento Integral do Down (ADID), que há 33 anos trabalha com crianças com Down para que possam ter o apoio necessário até chegar a vida adulta com saúde e autonomia.

O Instituto oferece programas de educação, qualificação e empregabilidade para que as crianças e jovens contemplados possam ter as condições de criarem o próprio caminho. Segundo Ângela Mazei, coordenadora de empregabilidade da ADID, a inclusão tem sido trabalho bem-sucedido em muitas escolas parceiras, mas ressaltou que esse resultado depende da vontade do corpo docente em acolher as diferenças.

“As escolas que estão dispostas a promover a inclusão precisam levar esse compromisso à sério, para que os próprios alunos com Síndrome de Down e as famílias acreditem que isso vai funcionar. A partir disso, esse jovem pode ir ao mercado de trabalho bem preparado para qualquer ambiente e sendo estimulado em todas as suas ações”.

Por outro lado, a gestora apontou que uma grande falha em diversas escolas regulares que dificulta o processo é a falta de preparo da equipe e dos alunos para o acolhimento.

“Além da boa vontade de incluir, as escolas têm que ter uma equipe bem preparada pra receber não apenas crianças com Síndrome de Down, mas, criança com qualquer tipo de necessidade, seja deficiência física, cognitiva, visual e intelectual”, esclareceu. “Uma equipe bem preparada deve ter um olhar diferenciado, para que essa criança esteja realmente incluída e possa se beneficiar de tudo que a escola esteja oferecendo, possa aprender, crescer, e possa se desenvolver como todas as outras crianças”.

Em relação à empregabilidade, Ângela afirma que o cenário tem se mostrado favorável às Pessoas com Deficiência (PCDs), não apenas pelas leis de cotas, mas pela mudança de cultura organizacional que motivou as empresas a oferecerem mais oportunidades.

“Muitas companhias perceberam que incluir uma pessoa com Síndrome de Down nas equipes e nos projetos traz tantos benefícios para a empresa e para a pessoa que está inserida naquele ambiente, melhorando até o clima entre os funcionários”, disse. “Para que isso ocorra com sucesso, os gestores e as equipes precisam estar sensibilizaos e preparados para entender que cada pessoa tem seus ritmos, particularidades e que o tratamento a ela não deve ser infantilizado. É necessário que as tarefas sejam bem elaboradas para facilitar o relacionamento e o desenvolvimento do indivíduo, para que ele possa contribuir com a empresa dentro de suas capacidades e pertencer à equipe”.

Apesar dos avanços, Ângela diz que ainda há muito trabalho pela frente para que a maioria das organizações quebrem preconceitos e pretextos para não incluir PCDs. Mas, a presença de um profissional com Síndrome de Down, assim como uma pessoa com qualquer deficiência, pode provocar mudanças radicais de perspectiva.

“É uma potência que substitui a limitação. Os colegas passam a ver a pessoa com Síndrome de Down não pela deficiência, mas pela eficiência, pela competência e pelo ser humano que ele é”.

Diante desse cenário, o Dr. Zan Mustacchi defende que as criança com Síndrome de Down não são mais aqueles jovens vistos no século passado, pois a discriminação contra as limitações estão sendo abolidas e eles não param de surpreender pelas conquistas.

“Este século marcou progressos e condições de favorecimento. A pessoa com down tem uma expectativa de vida maior e é mais feliz. Hoje ela cresce com mais oportunidades, vai para a escola comum, viaja com turmas, vai jogar bola, tocar piano, pintar, vai fazer sua formação e desenvolver sua capacitação, seja ela técnica ou universitária, se torna apto a trabalhar, casar, ter filhos e formar famílias. Praticamente uma criança comum, mas com particularidades”.

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