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Todo mundo está “sugeito” a cometer “herros”, até o ministro

Todo mundo está “sugeito” a cometer “herros”, até o ministro - Imagem: Reprodução | Rosinei Coutinho/SCO/STF
Todo mundo está “sugeito” a cometer “herros”, até o ministro - Imagem: Reprodução | Rosinei Coutinho/SCO/STF
Reinaldo Polito

por Reinaldo Polito

Publicado em 24/09/2023, às 08h37


Que atire a primeira pedra quem nunca cometeu erros ao falar ou a escrever. Vejo censores de plantão alvoroçados nas redes sociais espinafrando alguém porque pronunciou mal determinada palavra ou confundiu o nome de autores de livros.

Equívocos acontecem. É da natureza humana. Alguns até metem os pés pelas mãos por desconhecimento. Outros, entretanto, se equivocam porque as palavras não tiveram tempo de filtrar adequadamente o que foi produzido pelo pensamento. Esse fenômeno denominado “lapsus linguae” (ato falho ou equívoco freudiano) é mais comum do que se imagina. São deslizes que a pessoa comete. Pensa em alguma coisa, mas, sem intenção, diz outra.

Os motivos

Essa troca acidental de vocábulos, sem entrar em uma análise psicanalítica mais profunda, se dá por vários motivos, e até pela conjugação de diversos fatores. A causa mais comum é a distração, quando, sem muita consciência das palavras que formam as frases, usamos a primeira que surge à mente.

Mães que tenham mais de dois filhos, por exemplo, ao chamar um deles, costumam falar o nome da prole toda até chegar ao que desejam mencionar. Geralmente, começam pelo mais velho até chegar ao caçula. Quase sempre, esses lapsos viram motivo de brincadeira e gozação dentro da família.

A ansiedade e a pressa também contribuem para a ocorrência desses atropelos. Em circunstâncias em que o indivíduo se sinta pressionado, inseguro, acuado, querendo terminar logo o que esteja dizendo, o deslize pode se dar por uma falha de processamento no cérebro.

Os príncipes

No dia 14, quinta-feira, presenciamos um duplo equívoco linguístico. O advogado Hery Kattwinkel Júnior, na defesa que fez a um dos réus acusados por ter participado dos atos de 8 de janeiro, questionou se os ministros do STF (Supremo Tribunal Federal), estariam procedendo de maneira jurídica ou política. Em seu discurso, provavelmente, por se sentir desconfortável ao sustentar diante daquela corte, mencionou “O Príncipe” de Maquiavel, como sendo “O pequeno Príncipe”, de Antoine de Saint-Exupéry.

O que poderia ter sido visto como um engano sem consequências motivou o ministro Alexandre de Moraes a fazer críticas severas ao defensor. Afirmou que o advogado teve uma atuação “patética e medíocre”. E na sequência disse que ele “não analisou nada, e só não é mais triste porque ainda confundiu ‘O Príncipe’ de Maquiavel, com ‘O Pequeno Príncipe’, de Antoine de Saint-Exupéry, que são obras que não têm nada a ver. Mas, obviamente, quem não leu nem uma nem outra, vai ao Google, às vezes, dá algum problema”.

Efeito bumerangue

O mais curioso da história é que o ministro foi vítima das próprias palavras, pois ao dizer o nome do escritor, o chamou de “Antoniê”, quando, na verdade, a pronúncia correta deve ser semelhante à transcrição fonética [ãtwan]. Até os colegas advogados de Kattwinkel não perdoaram. Muitos passaram o dia postando memes ironizando o seu erro. Sobre o equívoco do ministro, todavia, ninguém falou nada.

Se fosse uma obra estranha, vá lá, mas “O pequeno Príncipe”, um dos livros mais lidos no mundo?! Obra que dez entre dez candidatas ao concurso de miss dizem ter lido, juntamente com a frase emblemática de que “desejam a paz mundial”, não deve ser desconhecida de um advogado que chega ao Supremo para fazer sustentação oral. Só pode ter sido engano momentâneo.

Exemplos incontáveis

Quem não se lembra também do famoso caso do ex-ministro da Educação, Abraham Weintraub, que pretendendo citar o escritor Franz Kafka, se atrapalhou e disse Kafta? Os exemplos são incontáveis. Em 1983, ao visitar o Brasil, Ronald Reagan, ao brindar os brasileiros desejou “saúde ao povo da Bolívia”. Jacques Chirac disse que Fernando Henrique era presidente da Bolívia. Em 1999, Fernando Henrique cumprimentou os bolivianos como sendo peruanos.

Por isso, antes de apontarmos o dedo para criticar quem se atrapalha no momento de falar, vamos nos lembrar de que todos estamos sujeitos a essas armadilhas verbais.

Fernando Pessoa em seu “Poema em linha reta”, ao se lamentar, ironicamente, que só ele comete erros, nunca os outros, nos diz:

Toda gente que eu conheço e que fala comigo

Nunca teve um ato ridículo, nunca sofreu enxovalho,

Nunca foi senão príncipe – todos eles príncipes – na vida ...

(...) Arre, estou farto de semideuses!

Onde é que há gente no mundo?

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