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Como os grandes oradores treinavam seus discursos

Imagem: Freepik
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Reinaldo Polito

por Reinaldo Polito

Publicado em 13/08/2023, às 06h30


A pergunta é recorrente: “Professor, como faço para treinar o meu discurso?”  Alguns emendam o que ouviram dizer: “Exercitar na frente do espelho é bom, né?”. Antes de dizer o que é recomendável ou não no preparo de uma apresentação, é oportuno esclarecer que qualquer método que dê resultado pode ser usado.

Esse talvez pareça um comentário sem muito sentido, mas entre as inúmeras lições que aprendi nesses quase 50 anos como professor de oratória há uma em especial: se o recurso utilizado pelo orador para exercitar suas apresentações funcionar, deve receber o carimbo de aprovado.

O espelho

Retomando o caso do espelho, por exemplo. Como regra geral, não aconselho a pessoa ensaiar seus discursos se valendo desse recurso. O orador se sente desconfortável, artificial, sem saber bem como agir. Fica em dúvida se olha para as mãos, para os pés, para a fisionomia, para os movimentos da boca.

Enfim, acaba por se preocupar e por se distrair com detalhes que mais atrapalham que ajudam. Por outro lado, se alguém me diz que se sente muito bem falando na frente do espelho e que assim se prepara de forma mais eficiente para enfrentar a plateia, jamais digo a ele para interromper esse tipo de preparação.

Objeto na mão

Sobre a liberdade que cada um pode e deve ter, houve um caso bastante curioso. Recomendo sempre que uma pessoa só tenha um objeto na mão nas situações em que ele esteja no contexto da apresentação. Por exemplo, se o palestrante fala em pé segurando uma caneta, provavelmente seria uma atitude inadequada, pois, sem que haja algum propósito para isso, ela poderia se tornar um ruído e desviar a atenção dos ouvintes.

Por outro lado, se estivesse sentado atrás de uma mesa, a caneta seria recomendável para fazer anotações. Estaria dentro do contexto. Portanto, segurar microfone, laser pointer, passador de slides, ainda que ocupem todas as mãos, se tiverem utilidade, estarão bem contextualizados.

A exceção

Certa vez, entretanto, recebi um aluno que insistia em falar com uma caneta na mão. Era fluente e bastante comunicativo. Eu pedia para deixar as mãos livres, pois poderia atrapalhar a concentração da plateia. Ele deixava o objeto sobre a mesa e perdia totalmente o ritmo da exposição. Pegava a caneta novamente, e voltava a se expressar com desenvoltura.

Não tive dúvidas. Sugeri que continuasse falando com a caneta na mão. No seu caso dava excelente resultado. Nunca vi nada semelhante, mas foi um bom exemplo para avaliar as exceções.

Um bom método

No treinamento de um discurso, aconselho que o orador exercite na frente de uma parede a aproximadamente três metros de distância. Quando se sentir confortável, poderá gravar a apresentação com o smartphone. Se perceber alguma incorreção, fará o acerto.

Quem tenta gravar os ensaios desde o princípio poderá ficar desestimulado, pois nas primeiras vezes o resultado não é muito bom. Gravar depois de estar bem treinado pode ser mais estimulante.

Métodos estranhos

Os grandes oradores recorriam aos métodos mais distintos e até estranhos. E põe estranho nisso!

Lacordaire é considerado um dos melhores pregadores da história. Sua prática era interessante. Preparava algumas anotações com os pontos que julgava mais importantes para os seus sermões. Em seguida, se dirigia ao jardim do convento onde habitava e ensaiava falando para as flores. Vislumbrava em cada uma delas o público que iria ouvi-lo. Depois de treinar muitas vezes o mesmo discurso, se sentia em condições de enfrentar e conquistar a plateia que tomava todas as dependências da catedral de Notre Dame.

Outro que gostava de exercitar diante das plantas foi Frei Francisco de Monte Alverne, um dos mais completos pregadores brasileiros de todos os tempos. Este extraordinário orador ensaiava falando para as verduras e legumes da horta, especialmente os repolhos.

A escolha de cada um

Imaginava que falava com as personalidades que estariam presentes na igreja no domingo. Dava muito certo, pois encantou as multidões que compareciam às suas pregações.

Portanto, cada um pode recorrer ao recurso de treinamento que julgar mais adequado para o seu caso. Se, todavia, não souber como agir, a melhor recomendação continua sendo a de falar bastante em frente a uma parede, e quando se sentir preparado gravar a apresentação para fazer os ajustes finais.

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