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A fascinante e difícil arte de falar com pessoas de idade avançada

Meia-noite em Paris - Imagem: Divulgação
Meia-noite em Paris - Imagem: Divulgação
Reinaldo Polito

por Reinaldo Polito

Publicado em 09/07/2023, às 06h58


O filme “Meia-noite em Paris” instiga a diferentes reflexões. Uma delas, e talvez a principal, é a de que se vivêssemos em outra época seríamos mais felizes. Só que o homem é insatisfeito sempre, pois ao ter oportunidade de retornar ao passado, pensa que se voltasse a um tempo mais longínquo, talvez fosse ainda melhor.

Não sei se já aconteceu com você, mas muitas pessoas dizem que chegam a sentir saudade de um tempo em que não viveram. Só o fato de pensar como teria sido a vida naquele período, já as transporta em pensamento para situações como se tivessem feito parte daquele cenário.

Quando assistimos aos trechos de filmes, os poucos que foram preservados, do início dos anos 1900, especialmente com cenas do Rio de Janeiro, e vemos algumas mulheres elegantes, desfilando pelos calçadões, trajando vestidos rodados e com largos chapéus na cabeça, cruzando com homens de terno, também de chapéu, chegamos a pensar que aquela era uma época de ouro na qual teria valido a pena viver. Sim, o passado quase sempre nos fascina. Se envolve a nós, dá para imaginar, então, o que acontece com as pessoas que envelheceram, e que possuem essas imagens na lembrança, que lhes proporcionam doces recordações.

Você tem pessoas idosas na família? Pais, avós, tios? Ou possui conhecidos com idade avançada? Como são as conversas com eles? Fazem planos, pensam em desenvolver ou lançar startups, abrir franquias, conhecer um pouco mais das novas profissões? Provavelmente, não. Salvo um ou outro caso excepcional, os diálogos giram em torno do que essa turma já fez. E na maior parte das vezes do que realizaram em passado bem distante. Normal. Aristóteles já alertava para esse fato há 2.400 anos ao escrever a “Arte retórica”. Dizia que por ter mais passado que futuro, as histórias que vivenciaram, as conquistas que experimentaram são os assuntos de sua preferência.

Ao atravessar a fronteira que os levam às últimas etapas da vida, como já sofreram derrotas, traições e desenganos são resistentes às novidades. Por mais promissora que seja a proposta que recebem, é quase certo que responderão com “talvez”, “quem sabe”, “vamos ver”. Mais uma vez o pensador grego joga luz para entendermos o comportamento desses indivíduos. Diz que “os velhos têm opiniões, mas nunca certezas”. Não ousam arriscar para não repetir equívocos sofridos em algum momento de sua existência.

Sempre gostei muito de conversar com pessoas mais velhas. São interessantes, cheias de histórias para contar, ainda que sejam sempre as mesmas. Conheci um senhor que já ultrapassara a casa dos 80 anos e era muito ativo. Saía para as suas caminhadas pelo parque e voltava meio decepcionado porque dizia não encontrar mais seus velhos amigos. Uns haviam morrido, outros estavam enfermos, e alguns mudado de cidade com os filhos e netos. Sua esperança era a de se juntar a essa turma para relembrar as histórias da estrada de ferro, onde trabalharam por décadas.

Sabendo disso, aproveitava todas as oportunidades para conversar com ele. Bastava mencionar um tema ligado à velha ferrovia que os seus olhos brilhavam. Ele se deliciava. Contava como começara a trabalhar, relatava alguns episódios pitorescos e falava das doenças que eles e os companheiros tiveram de superar lá nas matas do interior. Para mim era um prazer. Um permanente aprendizado. Ainda que fossem as mesmas histórias repetidas.

Se tiver de falar com pessoas idosas, sempre que puder, procure se referir ao passado delas, às histórias que as cercaram, aos episódios que vivenciaram. Mencionar conquistas que tiveram, realizações que marcaram sua trajetória. São essas abordagens que as seduzem, que provocam seu interesse e instigam sua atenção. Por terem mais tempo vivido que expectativa de vida, o futuro para elas nem sempre é inspirador. Preferem se agarrar ao que deixaram para trás. A história, quer seja boa ou má, alegre ou triste, pertence a elas. Revivê-las, recordá-las, repisá-las, ainda que seja por vezes incontáveis não as deixam cansadas. Ao contrário, sentem imenso prazer em recontá-las.

Se tiver de falar com plateias mais idosas, saiba que para conquistar a atenção dos ouvintes deverá se valer de exemplos que remetam ao passado e os façam recordar dos momentos vividos. É preciso ter em mente que as histórias da época que viveram é que as deixarão interessadas.

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