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A boa comunicação pode até servir de esperança para os feios

Microfone. - Imagem: Reprodução | Freepik
Microfone. - Imagem: Reprodução | Freepik
Reinaldo Polito

por Reinaldo Polito

Publicado em 18/02/2024, às 08h43


Você é uma pessoa feia ou bonita?

Muito já se discutiu a respeito do conceito de beleza e, naturalmente, quando se trata de alguém, ser belo vai muito além de características físicas, de um traço isolado, de uma simetria harmoniosa e perfeita. É também uma experiência subjetiva, de ordem emocional, resultado de experiências que tivemos ao longo da vida, de nossa percepção e valoração individual.

A questão que quero discutir aqui é: que papel tem a comunicação nesse processo? Por que traços como gentileza, paciência, brilho pessoal e autenticidade são qualidades universalmente consideradas belas? E, principalmente, por que a comunicação entre nós seres humanos tem um potencial inacreditavelmente complexo?

Neste texto, com ajuda de um renomado poeta, vamos analisar o que pode acontecer com a imagem de quem se expressa bem e a valorização de aspectos que transcendem a aparência física. 

Quem disse que a beleza pode estar associada à comunicação foi o poeta Guilherme de Almeida, que ocupou a cadeira nº 15 da Academia Brasileira de Letras. A história é curiosa, já que essa afirmação parece não estar em nenhum de seus livros.

Romana, ex-aluna do nosso curso de oratória, me deu um presente precioso – o livro “El arte de hablar em público”, de autoria dos franceses Paul C. Jagot e J. C. Noguin. A obra foi traduzida para o espanhol e publicada na Argentina em 1943 – pois é, lá se vão 80 anos. O exemplar, por si, talvez não tenha nada de excepcional. Poderia ser mais um entre as centenas que possuo nas minhas estantes sobre a arte de falar em público.

Frases destacadas

O que o torna diferente é que pertenceu ao imortal acadêmico. Ele deu respaldo a uma afirmação instigante: quem fala bem deixa até de ser feio. Essa tese está destacada nas páginas deste livro de oratória de seu acervo. A obra está recheada de frases nas quais fez anotações. Algumas delas com a recomendação de que deveriam ser lidas várias vezes.

Um dos conceitos destacados pelo poeta que me chamou a atenção foi: "Os piores defeitos físicos perdem muito do seu caráter repulsivo naqueles que falam de maneira encantadora". Essa pode ser uma boa reflexão: será mesmo que até defeitos físicos, que comprometem a beleza, podem ser atenuados pela boa qualidade da comunicação?

Um exemplo

Puxei pela cabeça e me lembrei de um caso que poderia sustentar essa teoria. Havia em Araraquara, no interior de São Paulo, um garoto que não possuía nenhum predicado de beleza. Não era mesmo uma pessoa bonita. Magricela, narigudo, com cabelos espetados, que mais pareciam capim barba de bode. Sua roupa, fizesse sol ou chuva, era sempre a mesma: calça jeans e camiseta branca.

Embora não fosse pobre, sua família vivia em condições apenas remediadas. Isto é, no seu caso, a grana jamais poderia ser considerada um recurso cativante. Possuía, entretanto, uma qualidade que o tornava querido e admirável -- uma conversa envolvente. A forma simpática como se relacionava era tão sedutora que lhe rendeu o apelido de Bico-doce.

Provocava inveja

Dificilmente Bico-doce era visto sozinho. Com frequência, desfilava ao lado das meninas mais cobiçadas da cidade. Por isso, apesar da sua aparência não muito atraente, provocava certa inveja em algumas pessoas. Com tom que indicava despeito, questionavam até com indignação: o que será que uma garota tão bonita e cortejada viu num cara como o Bico-doce?

O moço era encantador. Bom contador de “causos”. Articulado. Bem-humorado. Rápido de raciocínio. De sorriso amável e natural. Conquistava todos com quem conversava. Não havia tema sobre o qual não tivesse alguma informação. Estava sempre atualizado. Falava com desenvoltura sobre os mais variados assuntos sem arrogância nem afetação. Ouvia com atenção e usava de forma sutil e inteligente a presença de espírito. Sua conversa era irresistível. Verdade! Por causa de sua forma de se expressar, o rapaz se tornava bem atraente.

Beleza é fundamental?

Talvez você queira fazer um contraponto e lance mão de uma frase que se imortalizou por ter sido produzida por outro extraordinário poeta brasileiro, Vinícius de Moraes: "as muito feias que me perdoem, mas beleza é fundamental"? Sei não se o poetinha pensava mesmo assim ou estava apenas se valendo de licença poética. Afinal, ele também viveu rodeado de mulheres, e não era lá um Adônis.

Lembremo-nos também de um dos mais famosos “bicos-doces” da literatura mundial, Cyrano de Bergerac. Nessa obra, Edmond Rostand conta uma bonita e trágica história de amor.

Por causa do seu enorme nariz, Cyrano se julgava feio. Tinha, porém, facilidade para se comunicar. Era tão cativante na maneira de se expressar que conseguiu conquistar o amor de Roxane, por quem era apaixonado. Só que o tempo todo ela imaginou que as cartas que recebia eram de Cristiano, por quem se enamorara e que havia morrido.

Apenas no final descobre que as palavras que despertaram seu amor eram na verdade de Cyrano e não de Cristiano. Antes de ele morrer em seus braços, Roxane lhe prometeu que pensaria nele com o mesmo afeto que havia tido por Cristiano.

Beleza, enfim, não tem a ver apenas com aparência física, mas sim como nos conectamos com o mundo ao nosso redor de forma significativa, - o que acabará acentuando os aspectos positivos e atraentes que eventualmente possamos ter.

Sendo a pessoa feia ou bonita, o certo é que a boa comunicação pode fazer com que ela seja admirada e vista com muita simpatia.

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