Diário de São Paulo
Siga-nos
Golpe

Após considerar perigosa mulher que furtou manteiga, MP "descriminaliza" golpe de R$ 1 milhão contra homem de 88 anos

O promotor de justiça Fernando dos Anjos não considera importante um golpe de R$ 1 milhão que dois empresários aplicaram contra o próprio pai, um idoso de 88 anos

Os irmãos Pascoal e Marco são acusados de golpe contra o próprio pai - Imagem: reprodução redes sociais
Os irmãos Pascoal e Marco são acusados de golpe contra o próprio pai - Imagem: reprodução redes sociais

Jair Viana Publicado em 03/04/2024, às 17h35


O Ministério Público de São Paulo, que em 2005 considerou a doméstica Angélica Aparecida de Souza Teodoro, um risco para a sociedade, após ela furtar um pote de manteiga de R$ 3,20, agora surge "descriminalizando" e exaltando o "princípio da insignificância" diante de um golpe de R$ 1 milhão, aplicado por dois empresários contra o próprio pai, um idoso de 88 anos.

O caso foi arquivado a pedido do promotor de justiça Fernando Vernices dos Anjos. Na verdade, o prejuízo do pai passa dos 50 milhões.

O empresário Ernesto Lannonicomprova com documentos juntados ao processo que seus próprios filhos, armaram uma cilada contábil, que contou até com perícia contratada para subavaliar a participação dele na empresa que ele mesmo fundou, a Flexform, fabricante de cadeiras para escritório.

Em vez dos cerca de R$ 50 milhões que os acusados afirmam por várias vezes que seria a parte de Ernesto, ele recebeu apenas R$ 15 milhões. Os filhos já haviam declaro que o valor da empresa seria de pelo menos R$ 200 milhões.

O caso ganhou maior complexidade quando peritos foram nomeados para avaliar a empresa. Surpreendentemente, os laudos periciais apresentaram uma série de irregularidades, erros evidentes e falhas de metodologia, invalidando a prova pericial.

Tudo começou quando o Ernesto Lannoni, depois de passar aos filhos o controle de suas empresas, decidiu deixar o quadro societário com sua esposa. A partir daí, as tramas para enganar o empresário foram implementadas pelos dois filhos, Pascoal e Marco Lannoni.

Os desentendimentos deram origem ao inquérito policial 1501963-78.2020.8.26.0224. A Polícia Civil passou a investigar, tendo posteriormente recebido ordem do promotor Fernando dos Anjos para ouvir Almir dos Santos Couto, Marival Pais e Marli Lanza Kalil, além da realização de perícia contábil pelo Instituto de Criminalística. Neste ponto das investigações, o promotor já havia concordado que a denúncia de Ernesto tinha fundamento.

Passados os meses de investigação, o promotor, de repente, decide pelo arquivamento do inquérito, impedindo a realização de nova perícia, alegando que o resultado em nada mudaria a situação. Em sua manifestação, Fernando dos Anjos chega a minimizar o escândalo de R$ 1 milhão, referente à diferença entre o valor da empresa, anunciado pelos filhos e o valor efetivamente dado a Ernesto como correspondente às suas quotas na sociedade.

O ponto grave é o que indica que havia indícios de que os ativos contabilizados haviam entrado como despesa, provocando a diferença entre o valor anunciado anteriormente, de R$ 200 milhões e o valor apontado pela perícia. Ai que entra a suposta contradição do promotor ao propor o arquivamento da investigação. Ele chega a dizer que novas diligências e nova perícia que ele mesmo havia determinado ao delegado para fazer, agora, na sua opinião, já teria mais valor algum na ação.

Em um trecho de sua manifestação, o promotor concorda com os dados da primeira e única perícia, mesmo tendo sugerido a nomeação de outros peritos para contrapor o primeiro resultado. Ele afirma:

Todavia, analisando os autos, pondera-se que o valor adotado pela avaliação contestada foi tomada com base na apuração do patrimônio da sociedade a valor de mercado, o que é plenamente justificado, tratando-se de valor justo. O valor de custo não pode ser usado nesse tipo de avaliação", escreveu.

Em outro ponto de seu texto, o promotor reforça sua crença na perícia contestada. A nova perícia contábil concluiu que: “o patrimônio líquido a valor de mercado (real) da avalianda FLEXFORM, em 30 de setembro de 2010, correspondia ao montante de R$ 95.628.578,22, sendo 25% dessa participação igual a R$ 23.907.144,56. Portanto, do valor da participação de 25%, inicialmente apurado e formalizado na negociação de R$ 22.901.371,47, está a menor em R$ 1.005.773,08, em relação a valor apurado nesta perícia” (fls. 2878/2992)", diz.

O mais impactante na manifestação de Fernando dos Anjos está na conclusão a que ele chegou em relação à diferença de valores apresentada pelos filhos, em prejuízo do pai idoso. O promotor deixa claro que R$ 1 milhão não é grande coisa, pois afirma: "Não há, portanto, grande discrepância do laudo de avaliação originário realizado pela VALLIUN ENGENHARIA E AVALIAÇÕES S/C LTDA", afirma.

CRÍTICA

Em sua manifestação, o promotor ainda faz uma crítica ao idoso que reclamava por direitos que julgava ter. "O inconformismo do ofendido foi além, buscando junto ao Conselho Regional de Contabilidade do Estado de São Paulo – CRC-SP, em face do Contador CLÁUDIO", disse. Na sequência, Fernando dos Anjos desconsidera a possibilidade de uma investigação detalhada, alegando prescrição dos crimes de estelionato, uso de documentos falsos e falsidade ideológica. Nem os advogados dos acusados haviam feito tal alegação.

Finalizando sua manifestação, o promotor, num flash de vidente, afirma que outra perícia não traria resultado." Desse modo, reconsidero minha manifestação anterior quanto à necessidade de nova perícia, pois essa apenas geraria gasto ao erário, sem qualquer chance de fornecer novos subsídios aptos a esclarecer eventual fraude, cuja existência já foi afastada pela perícia no Juízo Cível. Destaca-se que a exigência de provas no âmbito penal é ainda maior que no Juízo Cível, onde até o momento não foi levantada nenhuma irregularidade", ponderou.

No documento que o promotor enviou à Justiça, opinando pelo arquivamento, ele encerra afirmando: "Registra-se que os fatos envolvem animosidade familiar e discussões de questões atinentes ao direito de família e contratual e, havendo ilícito, esse se restringe à esfera civil, na qual deve ser dirimida a questão, de forma mais adequada, em louvor aos princípios constitucionais-penais da fragmentariedade e intervenção mínima", diz.

Compartilhe  

últimas notícias