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Controvérsias Jurídicas: Perícias questionáveis e o caso da flexform indústria metalúrgica

Omissão de ativos e contabilização equivocada de despesas na empresa, levantam suspeitas sobre a validade dos laudos periciais

Pascoal e Marco Iannoni. - Imagem: Divulgação
Pascoal e Marco Iannoni. - Imagem: Divulgação

Marina Milani Publicado em 21/03/2024, às 08h54


Ernesto Iannoni, fundador da renomada indústria de cadeiras e poltronas Flexform, está no centro de uma batalha judicial que choca o mundo dos negócios. O empresário move uma ação para anular parcialmente um contrato que resultou na venda de suas quotas para seus próprios filhos, alegando um golpe que o privou de milhões de reais.

Ernesto comprova com documentos nos autos que seus próprios filhos, conspiraram para subavaliar sua participação na empresa. Em vez dos cerca de R$ 50 milhões que os próprios réus afirmam por várias vezes que seria a parte de Ernesto, recebeu meros R$ 15 milhões. O valor declarado pelos próprios réus pela empresa na época da transação era de pelo menos R$ 200 milhões.

A situação ganhou mais complexidade quando peritos foram designados para avaliar a empresa. Surpreendentemente, os laudos periciais apresentaram uma série de irregularidades, erros evidentes e falhas metodológicas, invalidando a prova pericial.

Em primeiro lugar, destacaram que o perito contábil conduziu reuniões a portas fechadas com representantes dos réus, incluindo pessoas que são partes no processo em questão, sem o conhecimento dos assistentes técnicos de Ernesto. Essa falta de transparência e a exclusão unilateral dos representantes de Ernesto durante partes cruciais da perícia violam o artigo 474 do Código de Processo Civil, segundo jurisprudência consolidada pelo (STJ), o que enseja a nulidade da prova pericial.

O perito contador, em declaração nos autos, revelou que conduziu a perícia em conjunto com Claudio Rodrigues de Abreu, contador e diretor administrativo da empresa Flexform, condenado pelo Conselho Regional de Contabilidade de São Paulo devido a questões relacionadas à contabilidade da Flexform e réu no processo.

Durante a investigação, foram identificados lançamentos de mais de R$ 150 milhões de ativos em despesas, como construções, máquinas, instalações, ferramentas, entre outros. Curiosamente, esses ativos foram registrados na contabilidade da Flexform como despesas.

Outra lacuna significativa identificada foi a omissão de diversos ativos intangíveis da Flexform no cálculo do valor da empresa. Enquanto apenas a marca foi considerada, outros ativos valiosos, como capacidade de lucro, carteira de clientes e patentes, foram ignorados. Além disso, investimentos substanciais feitos por Ernesto pouco antes de sua retirada também foram negligenciados.

O perito contador, em sua análise, ignorou lançamentos fictícios no passivo da empresa, buscando diminuir o ativo no balanço de 30/09/2010, supostamente com o intuito de prejudicar Ernesto.

Pontos controversos incluem o fato de o balanço estar assinado apenas pelos contadores, quando deveria contar com a assinatura dos representantes legais da empresa. Além disso, o balanço especial da Flexform para essa data incluiu o resultado do primeiro laudo da Valliun, elaborado em outubro de 2010, levantando questões sobre como os contadores obtiveram esses resultados.

Em 2015, laudos emitidos pela Valliun foram desconsiderados devido à sua ineficácia, apresentando uma avaliação da Flexform que subestimava o valor real da empresa em R$ 120 milhões em comparação aos valores estimados em 2010. Diante dessa anulação, levanta-se questionamentos sobre a precisão da perícia judicial subsequente, que estimou o valor da Flexform em apenas R$ 1 milhão acima da avaliação inicial da Valliun, colocando em dúvida a confiabilidade deste novo laudo pericial.

Outro ponto de discórdia é a discrepância na previsão de férias entre os balanços dos anos de 2009 e 2010. Enquanto o balanço de 2009 previa férias no valor de R$400.000,00, o balanço de 2010, que saiu apenas três meses antes do final do ano, incluiu uma previsão de férias de mais de R$ 1.700.000,00, levantando suspeitas sobre a tentativa de inflar o passivo e diminuir o ativo.

Além disso, no balanço de 30/09/2010, a empresa pagou mais de R$ 5.000.000,00 em impostos sobre um lucro líquido de R$ 8.000.000,00 nos nove primeiros meses do ano. Em vez de repassar a Ernesto sua parte no lucro, foram emitidas promissórias no valor de R$ 416.666,17 como parte do adiantamento de R$ 15.000.000,00 que ele recebeu. Esses R$ 5.000.000,00 foram retirados do lucro, parte do qual era de Ernesto, e lançados como despesas na contabilidade da Flexform, possivelmente para aumentar o passivo e diminuir o ativo.

O perito judicial contador, no entanto, não corrigiu essas discrepâncias em sua perícia, levantando suspeitas sobre a imparcialidade de sua análise. Há ainda alegações de que Claudio Rodrigues de Abreu, a mando de Pascoal e Marco Iannoni, lançou mais de R$ 70.000.000,00 de investimentos na nova Flexform de Cumbica como despesas na contabilidade da empresa, incluindo ativos como construções, instalações, máquinas e ferramentas.

Sobre a atuação do perito engenheiro, é relevante destacar que ele mencionou em documentos específicos nos autos que conduziu a perícia do ativo em conjunto com Rogério Ferrari, diretor industrial da empresa Flexform e réu no processo, sendo citado como um dos responsáveis pelos laudos questionáveis da Valliun. Esses laudos, elaborados por ele, foram considerados imprestáveis e anulados pelo tribunal em 2015, devido à inclusão de valores no ativo da Flexform que não correspondiam a mais de 15% do valor real.

Na análise sobre os moldes de injeção termoplástica, ferramentas de corte, repuxo e outros moldes para alumínio integral skin, que somam um total de 963 unidades, surgiram questionamentos sobre a conduta do perito engenheiro. Ele, supostamente enviesado, atribuiu valores absurdos a cada unidade e cortou deliberadamente 334 unidades, conforme alegações atribuídas a Rogério Ferrari, diretor industrial da Flexform.

A partir de documentos apresentados nos autos, Ferrari teria informado que muitos moldes e ferramentas foram descartados até 2018. No entanto, releva-se que, após 1º de outubro de 2010, a empresa poderia desativá-los por completo, entretanto, o que vale é o dia 30/09/2010 da saída de Ernesto. É essencial ressaltar que, segundo laudos da Valliun, do engenheiro Almir e da engenheira Marly, a Flexform possuía 963 itens avaliados em R$ 43.000.000,00, quando da saída de Ernesto, sendo parte integrante do valor total da empresa estimado em R$ 216.000.000,00.

O perito engenheiro, além de cortar 334 unidades, depreciou o valor em mais 30,5%, reduzindo o montante para R$ 7.995.000,00. Isso representa uma diminuição de quase 500% do valor real. Surpreendentemente, mesmo com todas essas discordâncias, o juiz de Capão Bonito homologou a perícia.

O valor atribuído pelo perito engenheiro aos moldes não chega sequer à metade do preço dos "Porta Moldes” adquiridos pela Flexform de empresas como a Polimold. Essa disparidade lança dúvidas sobre a idoneidade da avaliação realizada pelo perito e a decisão do juiz em validar a referida perícia.

O perito engenheiro decidiu reduzir o valor do ativo da Flexform em 30,5%, conforme revelado nos registros dos autos. Isso mesmo após a inauguração da nova unidade da Flexform em Cumbica, em setembro de 2009, quando todos os ativos, especialmente os moldes e ferramentas, estavam novos. Essa depreciação aparentemente visava alinhar os valores aos laudos contestados da Valliun.

Mais surpreendente ainda foi a omissão do perito diante de um parecer detalhado apresentado pela Dinamarco, elaborado pelo engenheiro Rodrigo, especialista em moldes e ferramentas. Esse parecer mostrou que o valor atribuído pelo perito estava muito abaixo do valor de mercado ou seja mais de 600% abaixo do valor real. No entanto, o perito não revisou sua avaliação, levantando dúvidas sobre sua imparcialidade no processo.

A metodologia adotada pelo perito para determinar o valor de mercado da Flexform também foi questionada. Em vez de projetar os lucros futuros com base em dados históricos, o perito se baseou em dados reais apresentados pela empresa após a retirada de Ernesto. Essa abordagem contraria a jurisprudência dos Tribunais Superiores, que estipula que a apuração de haveres não deve levar em conta balanços aprovados após a saída do sócio.

Em um parecer sobre o caso, o renomado contabilista Dr. Martinho Ornelas classificou o laudo pericial contábil como "absolutamente imprestável", destacando a ausência de rigor técnico e científico.

No que diz respeito ao laudo pericial contábil, diversas irregularidades foram apontadas pelos assistentes técnicos de Ernesto e por pareceristas consultados. Entre elas, destacam-se a exclusão dos representantes de Ernesto durante partes cruciais da perícia, a contabilização equivocada de ativos como despesas nos registros contábeis da Flexform e a omissão de ativos intangíveis importantes da empresa. Além disso, a metodologia utilizada para determinar o valor de mercado da empresa foi questionada, resultando em uma avaliação significativamente inferior ao valor real.

Já em relação ao laudo pericial de engenharia, foram identificados erros igualmente graves. A assistente técnica de Ernesto demonstrou que o perito depreciou máquinas e equipamentos até o ano de 2019, mesmo sendo novos em 2010, e não apresentou documentação probatória para embasar sua avaliação. Além disso, foram omitidas avaliações das instalações de primeiro mundo e benfeitorias feitas pela Flexform com a cifra de mais de R$ 25.000.000,00, e a análise dos dispositivos e ferramentas não foi conduzida de maneira adequada.

Tais inconsistências levaram a uma subavaliação da Flexform e, consequentemente, dos haveres devidos a Ernesto. Apesar das contestações apresentadas, o juízo de primeiro grau optou por homologar os laudos periciais e dar continuidade à fase instrutória.

Diante desse cenário, Ernesto Iannoni se viu obrigado a interpor agravo de instrumento, buscando a cassação da decisão homologatória e a realização de uma nova perícia, dada a imprestabilidade da prova pericial apresentada.

Em janeiro deste ano a 2ª Câmara Reservada de Direito Empresarial negou provimento ao agravo.

Contra esta decisão, foram opostos embargos de declaração, já que gerou controvérsia ao manter a homologação indevida dos laudos de engenharia e contabilidade produzidos na perícia.

A defesa de Ernesto argumentou que a decisão do colegiado incorreu em uma série de omissões graves. Em primeiro lugar, destaca-se o cerceamento de defesa decorrente das reuniões secretas dos peritos com representantes da Flexform, o que viola normas do Código de Processo Civil e princípios constitucionais. Além disso, aponta-se uma série de erros metodológicos no laudo contábil, evidenciados até pelo próprio autor do método alegadamente utilizado pelo perito.

Outro ponto de contestação é a ausência de enfrentamento, pelo perito contábil, de todos os quesitos formulados pelo embargante, o que contraria as regras processuais. A necessária observância do Enunciado nº. 265 da Súmula do Supremo Tribunal Federal também foi negligenciada na perícia contábil, segundo alegações do embargante.

No que diz respeito ao laudo de engenharia, também foram identificados falhas, equívocos e omissões que violam normas do Código de Processo Civil, o que compromete a integridade e a confiabilidade do resultado da perícia.

Diante dessas alegações, buscou a reconsideração da decisão e a declaração de nulidade da perícia, argumentando que a falta de correção dessas irregularidades compromete gravemente o processo judicial e a busca pela verdade dos fatos, mas em 18 de março os embargos foram rejeitados.

À medida que essa batalha judicial se arrasta, Ernesto Iannoni, aos 88 anos de idade, encontra-se imerso em um turbilhão de sentimentos. O homem que dedicou sua vida à construção da terceira maior empresa do mundo em seu segmento agora se vê envolvido em uma luta que vai muito além dos tribunais.

Aos olhos do mundo, Ernesto é um visionário, um empreendedor que desafiou as probabilidades e ergueu um império. No entanto, nos recônditos de sua alma, ele é assombrado pela sensação de injustiça e ingratidão. A mágoa de ver seus próprios familiares, aqueles em quem confiou, envolvidos em uma trama que o prejudicou profundamente, é uma ferida que arde incessantemente.

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