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Uma Agenda de Política Externa

Luiz Inácio Lula da Silva. - Imagem: Divulgação / Ricardo Stuckert
Luiz Inácio Lula da Silva. - Imagem: Divulgação / Ricardo Stuckert
Marcus Vinícius De Freitas

por Marcus Vinícius De Freitas

Publicado em 20/09/2023, às 06h22


Mark Twain afirmava que a história não se repete, mas muitas vezes rima. Com isto, observamos, ao longo da saga humana, alguns retornos históricos, em que situações ficam muito próximas àquilo que já observamos no passado. O mundo atravessa, atualmente, um momento complexo de alterações profundas em seus rumos globais, além de uma mudança do eixo principal da economia global para a Ásia. No caso brasileiro, o retorno de Lula ao poder dá a impressão de que a agenda de política externa parece igual aos seus primeiros mandatos no início deste século. O discurso de Lula na Assembleia Geral das Nações Unidas repetiu muito dos discursos do passado. Os tempos são outros, o momento diferente. Mas a rima é muito igual. E isto é um problema.

O mundo mudou muito. Distintamente dos primeiros mandatos de Lula, a pandemia da Covid-19 e a Guerra na Ucrania vêm transformando a agenda global e alterando, profundamente, o pêndulo do poder global. O Ocidente, que nos últimos três séculos, teve uma influência fundamental na construção da sociedade moderna, vê deteriorada a sua relevância e influência global. O declínio dos Estados Unidos e da Europa podem ser observados na questão econômica, política e de valores.

Os Estados Unidos, que já foram o bastião da democracia, têm observado uma deterioração contínua desta, desde o governo Bill Clinton. Países democráticos não são somente aqueles que têm eleição – muitas vezes abusadas – mas que possuem, de fato, processos de transição pacífica do poder. A tumultuada polarização do pleito eleitoral entre Joe Biden e Donald Trump por certo enterrou a ideia de que o processo de transição tem sido tranquilo naquele país. Além disso, a ascensão de um grupo no poder tem significado uma perseguição enorme – uma caça às bruxas – daqueles que ocuparam anteriormente posições de liderança. Ao vislumbrar-se a possibilidade de um retorno de Trump à Casa Branca é muito provável que a transição entre Biden e Trump tampouco será das mais tranquilas.

Embora a Covid-19 e Guerra na Ucrânia tenham reduzido o processo de ascensão da China, com a queda do consumo doméstico, deflação e desemprego e insatisfação popular decorrente da pandemia, a China segue – apesar dos desafios presentes – confiante na sua capacidade de alcançar uma melhoria substancial na sua renda per capita, com o objetivo de atingir cerca de 20 a 25 mil dólares quando da celebração do centenário da República Popular da China. O país atravessa os desafios inerentes à queda do consumo global, principalmente com a perda da União Europeia como seu principal cliente.

A Europa, por sua vez, sofre intensamente os resultados da Guerra na Ucrânia, a perda do acesso à energia barata e a redução na sua renda disponível em razão dos gastos militares e de energia. Além disso, apesar do sentimento de unidade mantido no continente em solidariedade à Ucrânia invadida, os europeus já reclamam da perda do mercado russo em razão das sanções impostas, da assimetria do resultado destas, da redução da qualidade de vida no Velho Continente e um manifesto descontentamento com o elevado quadro de corrupção existente na Ucrânia durante este período trágico de sua história.

Ainda que pesem estas dificuldades temporárias da China, acrescidas de uma campanha e narrativa, no Ocidente, que lhe é muito negativa, ao Brasil a parceria possibilita uma nova oportunidade de reconfiguração da ordem mundial e da governança global. A complementaridade das economias – além do fato de a China precisar de amigos globais do porte do Brasil – permitem ao País a possibilidade de atingir acordos favoráveis, com ganhos muito superiores àqueles que o Acordo com a União Europeia poderá proporcionar. É passada a hora de um Acordo de Livre Comércio entre Brasil e China, com a devida modificação do status do Mercosul para uma Área de Livre Comércio. Lula pode exercer um papel fundamental neste contexto uma vez que a aproximação com a China, efetuada por qualquer sucessor de um espectro ideológico diferente, enfrentaria barreiras enormes em razão do atraso mental ideológico existente no Brasil que ainda não superou o debate político polarizado. Um acordo de livre comércio com a China não é algo ideológico, mas sim um interesse fundamental ao Brasil a fim de, por meio de um intercâmbio tecnológico e de processos de infraestrutura mais robustos com a nação asiática, o País poderia avançar mais profundamente o seu desenvolvimento. E não há dúvida que a expansão do parque de energia nuclear é essencial para assegurar o fornecimento de energia que o País necessitará se voltar a crescer.

Tudo isto passa, no entanto, pela compreensão dos interesses do Brasil. Neste sentido, três são os interesses mais fundamentais da cidadania brasileira: uma renda per capita em elevação (com metas e prazos claros para a elevação do patamar), melhoria efetiva na qualidade de vida e liderança em alguns setores da economia global que, por terem um papel disruptivo, produzirão enriquecimento, empregabilidade e desenvolvimento.  O assento permanente no Conselho de Segurança – uma pretensão inexequível do governo atual – não tem impacto positivo em nenhuma destas áreas.  

Em tempos de Assembleia Geral das Nações Unidas, mais importante do que discutir mudanças climáticas e outros assuntos de menor relevância, é necessário um novo mapa de prosperidade econômica para o desenvolvimento do País e do mundo. E o Brasil, com estratégia e planejamento, pode, finalmente, levantar-se do berço esplendido.

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