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COLUNA

Um barril de pólvora

Ataque russo na Ucrânia - Imagem: Reprodução | YouTube
Ataque russo na Ucrânia - Imagem: Reprodução | YouTube
Marcus Vinícius De Freitas

por Marcus Vinícius De Freitas

Publicado em 02/08/2023, às 09h27


À medida que o tempo passa e a Guerra na Ucrâniapassa a ter menor cobertura pela imprensa, com a preocupação diminuindo diante dos desafios impostos pelo cotidiano, é importante ressaltar que o momento atual do conflito é extremamente preocupante. Afinal, a contra-ofensiva ucraniana, que deveria infligir na Rússia sérias perdas e prejuízos, não tem alcançado o resultado almejado. E a Rússia, apesar das sanções, segue menos enfraquecida do que a mídia ocidental – muitas vezes por pura propaganda – faz-nos crer sobre o conflito.

Nos últimos tempos, temos observado que a Rússia tem consolidado sua conquista territorial. As expansões territoriais pouco retraíram e, em que pese a ajuda militar ocidental – particularmente dos países da Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN) – a Rússia conseguiu recuperar-se dos equívocos iniciais da Guerra que, talvez por uma enorme arrogância, Putin acreditava que venceria facilmente.

Mas é fato que a Guerra na Ucrânia se transformou numa tentativa norte-americana de ainda manter a sua hegemonia global. E isto, por mais que a Rússia tenha cometido a invasão e a violação do direito internacional, juntamente com o precedente norte-americano no Iraque, fez com que o Sul Global não desse tanta atenção à manipulação que se observou  nos meios de comunicação para engajar-se a favor da Ucrânia. Nesse cenário, a situação ficou ainda mais complicada porque Washington também quis envolver a China na narrativa e na construir-lhe uma percepção negativa global. A ideia é que, por meio do embaraço e da atribuição de estereótipos, a imagem chinesa deteriorasse internacionalmente, para os Estados Unidos se manterem na posição de primazia global.

Neste período de guerra, a OTANultrapassou todas as linhas vermelhas previamente estabelecidas quanto à atuação numa guerra que não lhe envolve diretamente. A quantidade de armas enviadas, as sanções impostas e a respectiva atuação poderiam ter deflagrado uma situação muito mais complicada do que a que temos visto até o momento. Vladimir Putin, que já ameaçou utilizar armas nucleares caso se sentisse ameaçado, tem, a despeito da situação, controlado o ímpeto. Obviamente que muito desta restrição se deve ao fato de a China ter estabelecido linhas vermelhas quanto ao seu apoio à Rússia neste conflito, particularmente o uso de armas nucleares. Beijing deixou claro a Putin que armas nucleares só devem ser utilizadas como defesa a um ataque nuclear e nunca como um mecanismo de ação primeira.

A Europa tem sido a grande perdedora deste conflito. Sofre, na economia, pelo aumento crescente da energia e – com a continuidade da guerra no inverno que logo se aproxima – verá a situação econômica deteriorar ainda mais.  Deu-se, ainda, conta de sua incapacidade de defesa, da absoluta dependência dos Estados Unidos quanto à sua proteção (e agora da energia), dos erros cometidos nos programas de energia ao abandonar o uso da energia nuclear em muitos países, e da falta de compreensão da reconfiguração do poder global. Ao adotar a retórica anti-China, a Europa corre o perigo de restringir acesso àquele que paulatinamente se tem transformado no maior mercado consumidor global. E – o mais importante – um mercado sedento por consumir marcas europeias.

Os Estados Unidos, por enquanto, se deram melhor no conflito. Lograram suprir energia à Europa, a preços mais elevados, forçar os países europeus a contribuírem mais às cotas militares nacionais e ainda assim incrementar a sua indústria de defesa. Para um país que, efetivamente, não teria a necessidade de um exército grande, por não ter inimigos fronteiriços que lhe criem desafios, os Estados Unidos têm reafirmado seu exército como um elemento poderoso para intervenção global. E Biden pretende usar da guerra para reeleger-se.

Por mais que a OTAN propugne a derrota inexorável da Rússia como condição para chegar-se ao fim desta guerra, a realidade aponta em sentido contrário. Até porque Putin entende que a sua perenidade no poder depende do resultado vitorioso no conflito e está disposto a implementar sua estratégia até o fim. Uma derrota significaria não somente uma perda pessoal, mas a possibilidade de fragmentação da Rússia em vários países. Considerando o histórico dos regimes políticos que se instalaram pós colapso da União Soviética na região, é preocupante um cenário com novos países detentores do conhecimento e dos armamentos nucleares.

O relógio nuclear foi ativado várias vezes durante esta guerra. É uma preocupação constante, afinal, um conflito nuclear seria o pior acontecimento que podería ocorrer neste ou em qualquer momento da história. Principalmente se considerarmos que a toda ação corresponderá sempre uma contrarreação. E a espiral da destruição pode ser devastadora.

A realidade é que estamos vivendo num barrilde pólvora em que contenção é a palavra mais importante a ser praticada. Um erro a mais, um posicionamento errado, ou até mesmo uma ação militar equivocada pode acarretar uma situação cujos impactos e danos podem tornar-se irreversíveis.

Aqui e ali observamos posicionamentos de alguns países europeus, já fatigados com a questão da guerra, entendendo que lidar com Moscou não pode ser necessariamente numa relação de superioridade ou de vitória. A criação de uma narrativa que sirva a ambos os lados e logre manter a paz é essencial e mais importante até mesmo do que as novas fronteiras. O Secretário Geral das Nações Unidas, ao referir-se à questão climática recentemente afirmou: “A era do aquecimento global acabou; a era da ebulição global chegou”. Mais do que a questão climática, a ebulição global por causa da Guerra na Ucrânia é muito mais preocupante.

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