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Ora, a democracia!

Abraham Lincoln em Gettysburg - Imagem: Reprodução |  venezuelaunida.com/
Abraham Lincoln em Gettysburg - Imagem: Reprodução | venezuelaunida.com/
Marcus Vinícius De Freitas

por Marcus Vinícius De Freitas

Publicado em 03/01/2024, às 07h21


O grande debate deste quartel inicial do século XXI está relacionado à democracia. Não importe onde se observe, os sistemas democráticos existentes são capengas, defeituosos e incapazes de atender às demandas populares.

A ideia por detrás do famoso discurso de Abraham Lincoln em Gettysburg de que “a democracia é o governo do povo, para o povo e pelo povo”, aliada à famosa frase de Winston Churchill, que afirmou, em discurso na Câmara dos Comuns, 11 de novembro de 1947, que “a democracia é a pior forma de governo, com exceção de todas as demais”, de alguma maneira criaram no imaginário popular a ideia de que, com a democracia, havíamos chegado ao sistema político ideal. Também por muito tempo se atribuiu ao voto o teste primordial do funcionamento da democracia.

Neste processo, a democracia, como forma de governo, para legitimar-se passou também a incorporar o conceito de que toda a sociedade deveria ser representada nos órgãos governamentais. Afinal, o governo deve ser de todos.

Neste processo observamos duas enormes deteriorações: em primeiro lugar, mais importante do que a questão do voto, está o abuso da democracia, com governos que são popularmente eleitos por meio de escrutínios eleitorais duvidosos. Em todo sistema eleitoral - a não ser nas democracias diretas - sempre paira uma dúvida sobre a pristinidade do processo eleitoral. Para piorar, a transição de poder entre grupos políticos tem ficado cada vez mais difícil, uma vez que todos - independentemente da ideologia - buscam perpetuar-se no poder. E o sistema eleitoral falho enseja situações bizarras como observamos nas duas maiores democracias das Américas recentemente.

Para piorar o processo, os partidos políticos - que deveriam ser os guardiões da democracia - têm lideranças cuja preocupação é menor com o planejamento estratégico do Estado e muito mais com o locupletamento do poder como forma de enriquecer e de permanência no poder.

Diante deste cenário, o eleitor é constantemente sujeito a escolher o menor dos males. O remorso eleitoral - aquele em que o votante escolhe num dia e se arrepende no seguinte - é universal. Talvez esta seja até uma das razões pelas quais o eleitor praticamente faz questão de esquecer em quem votou nos pleitos eleitorais.

Tampouco oferecem os partidos políticos quadros de qualidade para eleição. Quando carisma é mais importante do que mérito e representatividade mais relevante que capacidade administrativa, o sistema está fadado a constantes crises. E a máquina ímpia da divisão do Poder do Estado gera disputas entre estes, o que cria um sistema a político caótico.

A pergunta fundamental passa a ser, então: qual é o objetivo da democracia? Muitos afirmarão que representatividade da sociedade é o mais relevante. No entanto, não há dúvida que o objetivo primordial, único e mais relevante da democracia deve ser assegurar o bem-estar social coletivo. Em nome de uma suposta representatividade, aflora a incompetência na gestão pública que não entrega resultados efetivos. Obras arrastam-se por décadas e assuntos meramente técnicos se transformam em grandes batalhas políticas.

Ao invés de melhorarmos as condições de vida, vemos um estado letárgico em que algumas famílias e funcionários públicos encastelados na máquina estatal, de fato, dilapidam o erário em benefício próprio. E a questão da representatividade e da diversidade são utilizados como distrações para os assuntos que são responsabilidade primordial do estado: segurança, educação, infraestrutura, crescimento econômico e desenvolvimento.

É por esta razão que é preciso repensar seriamente a questão da democracia e da administração do Estado. Talvez seja o caso de representantes da diversidade social atuarem mais em conselhos consultivos do que na administração pública. Funcionários e administradores públicos deveriam ser responsabilizados pela ineficiência de sua gestão. E, também, premiados quando índices de melhoria fosse alcançado, quando comparados internacionalmente.

O Legislativo deveria atuar mais consultivamente. Deveriam ser muito bem pagos, mas se fossem corruptos deveriam sofrer junto com suas famílias - que muitas vezes se beneficiaram da corrupção - do ostracismo social. E o Judiciário deveria, para decisões equivocadas e que geraram dano à sociedade, ser responsabilizado globalmente com multas por ineficiência. Juízes jamais deveriam falar com a imprensa ou ter mídia social.

Dom Pedro II tinha um livrinho preto em que ele acompanhava a vida política daqueles que deveriam ser representar o povo. Aqueles que não o fizessem apropriadamente eram convidados a se afastarem da vida pública. A monarquia tem esta legitimidade justamente pelo fato de o monarca estar acima destas disputas comezinhas.

Esta estrutura de poder pensada por Montesquieu com Executivo, Legislativo e Judiciário já não funciona mais. E a própria democracia, se não se lhe inserir mérito, piorará em muito as condições sociais da humanidade.

É preciso repensar tudo.

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