por Marcus Vinícius De Freitas
Publicado em 01/05/2024, às 06h00
O mundo está numa transformação excepcional, com uma alteração profunda de parâmetros históricos, geopolíticos, valores e, principalmente, nas relações humanas.
Com a criação da imprensa, por Johann Gutenberg, em 1436, o mundo transformou-se completamente, pois a imprensa tornou a difusão do conhecimento mais ampla. A Bíblia - objeto de manipulação religiosa por séculos - impressa pela primeira vez em 1450 - ficou amplamente disponível derrubando o monopólio do clero sobre o conhecimento. Com isso, consolidou-se o Renascimento, o teocentrismo equivocado diminuiu e veio a Reforma, com a multiplicidade de perspectivas religiosas sobre a existência humana. O mundo passou a ser mais relativo e menos absoluto, mais transparente e menos obscuro.
Com o advento da Internet nas últimas décadas e a difusão mais ampliada do conhecimento, a humanidade enfrenta um novo Renascimento. Mais uma vez mais tudo está relativo. Jamais houve na história tanta informação disponível. Ideias que eram absolutas se tornaram relativas. E a manipulação intelectual, a princípio, torna-se cada vez mais difícil.
Claro que as redes sociais, aplicativos de relacionamento, as chamadas Fake News, as teorias conspiratórias e muitos dos “influencers” e “coaches” também representam uma idiotização da humanidade. Não é a primeira vez que isso acontece. Ao compararmos ao fenômeno religioso pós-Reforma também observamos o surgimento de vários grupos religiosos com as perspectivas mais estapafúrdias da espiritualidade.
É, no entanto, do campo das relações humanas que a preocupação aumenta substancialmente. No Renascimento, as relações humanas e a humanidade foram valorizadas. Já na sociedade atual observamos um processo de descartabilidade do ser humano sem precedentes. Os relacionamentos são superficiais, de baixa intensidade e de enorme comoditização. A impressão é que a humanidade se odeia cada vez mais.
Em nenhum lugar se observa isso mais intensamente do que no mercado de trabalho, onde as legislações trabalhistas têm flexibilizado a relação empregador-empregado de tal forma que inexiste, nas duas partes, o interesse no aprofundamento de longo prazo no relacionamento. Sob a ameaça constante da demissão sem direitos básicos, o empregado se sente desmotivado a oferecer o seu melhor. E isto alimenta a ameaça constante do empregador – muitas vezes abusivo – num ciclo vicioso que leva à mediocridade dos resultados e baixa produtividade.
Os partidos mais à esquerda do espectro político se destacavam no passado por uma defesa mais aprofundada da pauta laboral. Muitos desses partidos – para aproveitar-se do eleitorado – caíram numa vala populista, aproveitando-se dos benefícios logrados em batalhas políticas para criarem uma massa de manobra para administração de interesses próprios. O trabalhador ficou de escanteio, tornando-se, muitas vezes, o maior perdedor de todos. E neste cenário, a pauta adotada pelos partidos de esquerda no Ocidente passou a tratar de assuntos de menor impacto no bem-estar e melhoria de vida do trabalhador.
As grandes corporações do passado foram construídas por relações sólidas e de longo prazo entre empregador e empregado. Com isso a produtividade cresceu substancialmente. É tempo de reavaliar a comoditização do trabalhador para projetarmos o futuro. A culpa da queda de produtividade no Brasil não é somente resultado do desafio educacional que o País enfrenta há séculos, mas da falta de compromisso entre os colaboradores e o empregado para uma relação de longo prazo. O ser humano não é nem deve ser considerado descartável. Afinal, é ele que é responsável pelo processo de avanço do planeta.
Esta é, sem dúvida, uma pauta importante que deveria ser relembrada neste Primeiro de Maio. Neste dia em que comemoramos as lutas e conquistas do movimento operário, é importante avaliar os mecanismos necessários à continuidade do aumento da produtividade e da qualidade do emprego, além do bem-estar do trabalhador e do lucro empresarial.Durante o século XIX, houve um incremento relevante nos movimentos dos trabalhadores em busca de valorização e melhoria nas condições laborais. Além disso, eles se movimentavam para a redução da jornada laboral para oito horas, que, até então, superavam as doze horas diárias.
A greve geral dos trabalhadores ocorrida em Chicago mobilizou cerca de 340 mil trabalhadores. A paralisação seguiu nos dias seguintes, levando a um grande massacre promovido pela polícia norte-americana, após a explosão de uma bomba que causou a morte de vários policiais e civis. Esta situação ficou conhecida como a Revolta de Haymarket, no dia 4 de maio de 1866.Na ocasião, houve um confronto entre a polícia de Chicago e uma massa de trabalhadores na Praça Haymarket. Vários policiais e manifestantes foram mortos e dezenas ficaram feridos. Os líderes do movimento foram julgados e condenados por assassinato, com quatro deles sendo enforcados, um suicídio e três perdoados pelo governador de Illinois. Como o tempo, os manifestantes de Haymarket e seus líderes se transformaram em heróis e mártires da luta internacional pelos direitos dos trabalhadores.
Talvez o que o mundo precise agora seja um retorno importante à valorização profissional e pessoal do trabalhador. Afinal, como produtor da riqueza, quanto maior a produtividade, qualidade e eficiência da força laboral, maiores e mais promissores são os resultados econômicos do trabalho.
Trata-se, portanto, da necessidade de voltar a recuperar o ser humano, principal responsável pela transformação econômico-social, através da valorização de suas atividades, profissão e talentos. E, a partir daí, construir uma realidade com novos absolutos.
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