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O dia seguinte de Gaza

O dia seguinte de Gaza - Imagem: Reprodução |  AFP - The New York Times
O dia seguinte de Gaza - Imagem: Reprodução | AFP - The New York Times
Marcus Vinícius De Freitas

por Marcus Vinícius De Freitas

Publicado em 25/10/2023, às 10h52


As imagens abomináveis do dia 7 de outubro, quando o Hamas atacou Israel, impactaram o mundo. As cenas de terror ficarão para sempre marcadas na memória coletiva do povo israelense e de toda comunidade globa que abomina a violência como forma de manifestação política. O apoio internacional fluiu imediatamente para Israel e reconheceu o direito daquele Estado responder aos ataques. O ataque fez a população israelense relembrar os séculos de perseguição, pogroms e o holocausto. O número de mortes ultrapassa 1200 israelenses.

Em que pese a legitimidade de Israel em responder à altura o ataque sofrido, além da necessidade de conter qualquer reação dos países da região, que lhe têm restrições históricas quanto à sua existência, o fato é que as medidas adotadas pelo governo de Binyamin Netanyahu, o primeiro-ministro que, certamente, será defenestrado do poder quando o conflito chegar a um fim, diante das falhas na segurança e da radicalização política, tem exaurido o apoio internacional e até ensejado comparações a uma eventual limpeza étnica. Netanyahu e seus parceiros de governo sempre foram claros quanto ao seu objetivo de destruir qualquer possibilidade da implantação de um estado palestino.

A pressão sobre a população palestina tem transformado Gaza e Cisjordânia em locais inabitáveis, destruídos, atrasados, com uma elevada população jovem, sem acesso efetivo à educação, o que transforma os territórios palestinos em campos de ódio e em fábricas de terroristas. Diante da situação existente, os ataques a Israel poderiam até ter sido ainda mais violentos.

É por esta razão que se tem falado da questão da proporcionalidade no ataque israelense a Gaza. Embora se compreenda o sentimento israelense, nada justifica a punição aos 2 milhões de habitantes de Gaza, já em condições miseráveis, a viverem sob bloqueios, deslocamentos forçados, além dos bombardeios constantes, que, praticamente, condenarão a população palestina a um estado miserável de vida, o que aprofundará um ciclo perpétuo de violência. Com cerca de sessenta porcento da população com menos de 25 anos de idade, acostumados à violência constante, e uma taxa de desemprego de mais de sessenta porcento entre os jovens de 15 a 29 anos de idade, a Palestina é um terreno fértil para a radicalização particularmente dos jovens.

O plano de Netanyahu não é claro quanto ao seu objetivo: afinal, o deslocamento de milhões de pessoas para o sul de Gaza será permanente ou temporário? Se permanente, pretende Netanyahu tomar controle de Gaza para sempre? Se temporário, para o que retornarão os palestinos no cenário de terra arrasada que as imagens vindas de Gaza claramente evidenciam? A quem caberá o ônus da reconstrução de Gaza? Assumirá a comunidade internacional a reconstrução? E quem ficará responsável por essa conta?

Ao quebrar a ordem – ainda que precária – existente em Gaza, Israel terá a responsabilidade de reconstruir a realidade destruída. É por essa razão que os questionamentos relacionados ao dia seguinte do conflito são essenciais. E o cessar fogo imediato também precisa ser bem refletido para não piorar ainda mais uma situação que já é precária.

Se Netanyahu acredita que logrará extirpar o Hamas de existência, equivoca-se profundamente. Os Estados Unidos, com equipamentos e orçamento muito superiores, não lograram acabar a Al Qaeda e o Taleban depois de vinte anos no Afeganistão.

A deterioração econômica gerará mais violência, extremismo e ressentimentos. E situações ainda piores que 7 de outubro voltarão a repetir-se.É, ainda, essencial reconhecer que a necessidade de frear um pouco da contrarreação do Estado de Israel não é antissemitismo, como alguns querem fazer crer. Todo estado – não importa qual seja – particularmente aqueles que se dizem democráticos – deve comportar-se dentro das regras do Direito Internacional, de uma maneira diferenciada, apesar de os países líderes do Ocidente terem quase sempre adotado ações extremamente incoerentes com os valores apregoados. Punições coletivas praticadas ao longo da história, como, por exemplo, a humilhação imposta à Alemanha no Tratado de Versalhes, levaram à tragédia da Segunda Guerra Mundial.

A resolução do conflito palestino ainda é a constituição de dois estados soberanos, independentes e com o compromisso irreversível do reconhecimento do direito de existência de cada um. Os países da região devem reconhecer o pleno direito de existência de Israel como estado independente. Se esta não for a solução possível, que, ao menos, se transforme Israel numa Grande Palestina inclusiva, em que judeus e árabes convivam em harmonia e com plena igualdade de direitos. 

Martin Luther King Jr. afirmou: “A fraqueza última da violência é que ela é uma espiral descendente, gerando exatamente aquilo que procura destruir. Em vez de diminuir o mal, multiplica-o. Através da violência você pode assassinar o mentiroso, mas não pode assassinar a mentira, nem estabelecer a verdade. Através da violência você pode assassinar o odiador, mas você não assassina o ódio. Na verdade, a violência apenas aumenta o ódio... As trevas não podem expulsar as trevas: só a luz pode fazê-lo. O ódio não pode expulsar o ódio: só o amor pode fazer isso.” Palavras sábias de um dos grandes advogados da paz que o mundo conheceu.

O dia seguinte é sempre a questão fundamental em qualquer conflito. Exemplos recentes – Afeganistão, Líbia e Iraque – constituem exemplos trágicos de intervenções que somente depauperam estes países, tornando-os mais inseguros, incapazes de evoluir economicamente e politicamente desorganizados. E com isto, também tornaram o mundo menos seguro.

Os europeus – os principais responsáveis por todas estas tragédias geopolíticas que temos observado – são, como punição da história, os primeiros a sofrer as consequências destes conflitos em razão do fluxo migratório que, paulatinamente, vai transformando o tecido socia dos seus países. Estará a Europa disposta a assumir o custo da operação de Israel em Gaza?

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