por Marcus Vinícius De Freitas
Publicado em 19/07/2023, às 08h29
Na ChinaAntiga, houve períodos de enorme instabilidade política e social. Guerras, torturas, e assassinatos eram comuns no período feudal da história. Durante o chamado “Período da Primavera e Outono” da história chinesa – entre os anos 771 e 551 aEC– houve uma consolidação dos feudos em reinos maiores, num período semelhante ao Renascimento que ocorreria na Europa séculos depois. Esta época turbulenta da história chinesa viu florescer o pensamento de Confúcio, cujo ideário de paz, justiça e harmonia constituia uma importante voz para aqueeles que pretendiam construir uma nova realidade. Confúcio era o homem apropriado àquele momento histórico.
Confúcio – ou Kǒngzǐ (孔子) – “Mestre Kong” – foi um filósofo e educador chinês, que viveu entre 551 e 479 a.E.C., que se tranformou num expoente do pensamento e da história chinesa. Tratando de temas como harmonia social, governança, virtude e liderança, a presença de Confúcio se faz sentir em vários aspectos do sistema político chinês e de outros países asiáticos, como Japão e Vietnã, dentre outros. A boa governança, segundo Confúcio, resultava da capacidade de liderança moral dos governantes e funcionários do estado. Os líderes deveriam – para ser seguidos – apresentar virtudes que inspirassem respeito e, principalmente, lealdade, entre os seguidores. Essa atuação dignificada do governante, seria particularmente importante para assegurar a harmonia social e impedir o abuso de poder.
Talvez uma das maiores contribuições de Confúcio ao sistema político chinês – que ainda permanece – seja o conceito de “mandato do céu”. De acordo com esta perspetiva, os governantes – escolhidos divinamente – perderiam o mandato se governassem de maneira injusta ou incompetente. Diferente da ideia europeia de origem divina do poder do rei, em que o rei possuía um status divino ou semidivino, o mandato do céu enfatizava a importância da boa governança e da necessidade da moralidade como uma fonte relevante da legitimidade do poder. Os resultados positivos da ação do rei eram a sua fonte principal de legitimidade. Assim, o rei bom era aquele que conseguia, por meio de suas ações, incrementar o bem-estar social do povo. Observadas uma deterioração na qualidade de vida, era o momento de trocar aquele que ocupava o poder.
Outro aspeto fundamental de influência do Confucionismo é a ênfase na educação e no autoaperfeiçoamento como base de um sistema para a promoção dos melhores, particularmente no governo. Por meio de concursos que buscassem selecionar os melhores para exercer o poder, Confúcio enfatizou a necessidade de que para governar era preciso habilidades, virtudes e conhecimento aprofundado. O poder não é resultado da primogenitura, mas sim da capacidade meritória daquele que exerce o poder.
O avanço de uma sociedade somente decorre de um elevado nível de estabilidade e harmonia. Para alcançar este nível, a benevolência e sabedoria do governante constituíam elementos fundamentais para assegurar a prosperidade e bem-estar da população. A harmonia social também seria mais elevada se a população fosse educada. O autoaperfeiçoamento, por meio do aprendizado e da busca do conhecimento, constituiria um fator essencial para o avanço social e a melhoria na qualidade de vida de um indivíduo. Quanto mais educada a sociedade, melhor seria o nível moral daqueles que ocupam o poder, que também deveriam exercê-lo com integridade, humildade e um sentido de dever com toda a sociedade.
Para Confúcio, a regra de ouro era a base da harmonia social. “Não faça aos outros o que não gostaria que fizessem a você” é uma premissa repetida em vários sistemas éticos. No entanto, a ênfase dada por Confúcio também se transformou num modelo importante para assegurar melhor qualidade na convivência social, como uma forma imprescindível de assegurar paz e harmonia. Não há dúvida de que o pensamento de Confúcio se tornou um elemento importante na história e na governabilidade da China. Compreender a história do país sem levar em conta os ensinamentos de Confúcio é ignorar a enorme contribuição deste filósofo na construção da China ao longo dos séculos.
Talvez para nós, no Ocidente, a lição principal que o Confucionismo deveria ser a necessidade de reconstruirmos o mérito como elemento principal da governança política e da política. No Ocidente, o conceito de democracia tem ficado mais atrelado à questão do carisma e da representatividade social. Não é o mérito que elege um indivíduo. E aqueles que são eleitos não representam o melhor da sociedade.
Também na questão dos concursos públicos, a lição de Confúcio é importante. Na função pública, devem ser selecionados os melhores para exercê-la. No entanto, o concurso público não é sinônimo de estabilidade e de aposentadoria precoce, mas sim um encargo importante para uma constante movimentação no sentido de se construir uma sociedade melhor.
Há muito que temos a aprender com Confúcio. Foi a retomada de muitos dos princípios de Confúcio que permitiram à China dar um salto como observamos nas últimas cinco décadas. Sem dúvida, competição e mérito são dois valores fundamentais que o Brasil deveria praticar.
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