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Ainda há bons exemplos

Reverendo Aldo Quintão. - Imagem: Divulgação / Catedral Anglicana
Reverendo Aldo Quintão. - Imagem: Divulgação / Catedral Anglicana
Marcus Vinícius De Freitas

por Marcus Vinícius De Freitas

Publicado em 05/04/2023, às 09h02


Um de meus lugares favoritos na cidade de Londres, é, sem dúvida, a Igreja de Saint James, na região central de Piccadilly, dedicada em 13 de julho de 1684, e restaurada após os danos da Segunda Guerra Mundial. Foi lá, há muitos anos, que aprendi que a frase “não temas” ocorre 365 vezes na Bíblia, uma recordação para cada dia do ano sobre a necessidade de sermos corajosos, não temer, e, principalmente, enfrentarmos os temores que nos abatem frequentemente na jornada da vida. É preciso também coragem – ensinam – para vencer as injustiças do mundo e, principalmente, aquelas que nos afetam.

Trata-se de ensinamentos valiosos e preciosos que precisam ser relembrados constantemente. Afinal, a humanidade é levada ao temor por líderes políticos, empresariais e religiosos muitas vezes. O temor da morte – o grande equalizador que atinge a tudo e a todos neste planeta – é utilizado como uma forma de oprimir e, com isso, uma série de vantagens e abusos do desconhecimento, da ignorância e da fé alheia prospera. O abuso da fé é um dos maiores crimes perpetrados na humanidade há séculos. A ignorância nos leva a crer, muitas vezes, numa Divindade mesquinha, vingativa e sedenta de recursos financeiros. É incrível que acreditemos que podemos encontrar o Divino em edifícios construídos por mãos de homens e que o dinheiro seja a moeda de troca do nosso destino eterno.

No passado, as religiões tinham um papel substancial no trabalho de construção da sociedade. Mais do que edifícios era no trabalho social das igrejas que as comunidades mais se desenvolviam. Afinal, num cenário em que todos vivem com dificuldades neste mundo – não esqueçamos que a linha de pobreza, de US$ 1,90, estabelecida pelas Nações Unidas – evidencia que, globalmente, uma em cada dez pessoas vive em extrema pobreza. Embora tenhamos avançado bastante nos últimos séculos quanto à pobreza extrema, a verdade é que ainda estamos arranhando a superfície. E quanto menos as economias crescem, maior a estagnação e a continuidade da pobreza extrema, com pessoas vivendo precariamente, sem serviços básicos de calefação, transporte e alimentação.

Por uma questão de populismo, o Estado passou substituir as igrejas na sua ação social. Apesar de manterem a imunidade tributária em muitos países do mundo, as igrejas enriqueceram substancialmente. Mas ao mesmo tempo que cresciam financeiramente, o número de fiéis diminuía. Este é, particularmente, o caso da Europa Ocidental, onde as igrejas se encontram, em muitos casos, praticamente vazias. Muitas se têm convertido nos mais variados tipos de estabelecimentos comerciais, bibliotecas, quando não são derrubadas por terem um valor histórico menos representativo. O que abunda em recursos, hoje falta em números de fiéis.

Foi por esta razão que me surpreendeu, há alguns anos, o enorme trabalho social empreendido pela Catedral Anglicana de São Paulo, conduzida pelo Reverendo Aldo Quintão, que, com seu jeito simples, excelente humor e espiritualidade, causa profundo impacto e tem alterado, profundamente, o destino de uma das maiores comunidades (favelas) da América Latina. Surpreendeu-me o fato de aquela comunidade distribuir diariamente marmitas com comida da melhor qualidade a duas favelas localizadas no bairro do Morumbi. Além disso, foi construída naquele oceano de miséria a maior creche da América Latina, abrigando centenas de crianças, dando-lhes – e às suas mães – a perspectiva de que dias melhores virão e que é possível sonhar com um futuro promissor. No complexo da creche, existe ainda um enorme edifício da Cultura Inglesa que ministra, gratuitamente, cursos de língua inglesa às pessoas necessitadas de Paraisópolis. Não pense que este é um artigo meramente encomiástico da Catedral Anglicana de São Paulo. Eu vi e testemunhei o trabalho maravilhoso que lá e realizado e, por dois meses, durante minhas férias no Brasil, no período da pandemia da Covid-19, distribui marmitas a milhares de pessoas que se colocavam em fila para receber aquela que seria, provavelmente e na maioria dos casos, a única refeição do dia e – em alguns casos – a primeira de semanas.

O povo brasileiro tende a ser muito crítico de si mesmo. Para nós, infelizmente, parece que o copo está sempre vazio. O país da vantagem, da corrupção e do desrespeito ao dinheiro público parece prevalecer na mídia sobre o Brasilreal, que trabalha, realiza o papel que, muitas vezes, o Estado deveria cumprir. Os bons exemplos precisam ser mostrados aos brasileiros e ao mundo para compreender-se de que há gente de boa vontade, disposta a praticar o bem e a levar outros ao mesmo caminho. Existe um programa num canal de televisão norte-americana que premia, anualmente, aqueles que consideram heróis, indivíduos que conseguem criar, com poucos recursos, uma enorme diferença na sociedade e, principalmente, no mundo.

Por essa razão, não poderia deixar a oportunidade de registar minha admiração pelo excepcional trabalho realizado pela Catedral Anglicana de São Paulo, que conta com um Louvor primoroso. Sem dúvida, a igreja localizada, há algumas décadas no Alto da Boa Vista, patrimônio histórico e legado da presença britânica no Brasil, é uma das menores denominações religiosas existentes na cidade de São Paulo. No entanto, o trabalho social, realizado sob a liderança do Reverendo Aldo Quintão, agiganta aquela pequena igreja perante sua própria comunidade, o Brasil e o mundo. Mas o que, de fato, engrandece muito aquela Catedral – e deve servir de exemplo àqueles que professam o Cristianismo como religião e as outras denominações religiosas – é que, diariamente, de segunda a sexta-feira, milhares de mães saem para trabalhar tranquilas ao saber que seus filhos estarão bem cuidados.

Estas crianças, sem dúvida, terão muito mais capacidade para enfrentar os desafios que a vida lhes imporá. Afinal, são beneficiários de uma base sólida baseada na frase “Não temas”. É preciso coragem para mudar, para empreender socialmente, e fazer a diferença. A Confúcio se atribui um ditado: “É melhor acender uma única vela do que amaldiçoar a escuridão.” Ainda bem que temos pessoas que não temem – corajosas – acendendo velas para melhorar o futuro do Brasil. Ainda há bons exemplos a serem seguidos.

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