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A Cúpula de Joanesburgo

A Cúpula de Joanesburgo - Imagem: Reprodução | Agência Brasil
A Cúpula de Joanesburgo - Imagem: Reprodução | Agência Brasil
Marcus Vinícius De Freitas

por Marcus Vinícius De Freitas

Publicado em 23/08/2023, às 06h52


A estrutura de governança global, em vigor desde 1945, é boa para o Brasil? Qual é a possibilidade de o Brasil se tornar um país relevante internacionalmente com o desenho atual da ordem mundial? Não incomoda ao Brasil ser constantemente considerado um anão diplomático?

Estas três perguntas são fundamentais para entender a relevância do BRICS na construção de uma nova ordem e governança global. Afinal, como podem países muito menores que o Brasil ter o protagonismo que possuem e determinarem os rumos da agenda mundial? E por quanto tempo a hipocrisia destes países determinará a forma como o Brasil é percebido globalmente?

O G7 – ao qual o Brasil jamais será convidado a pertencer por tratar-se de um arranjo multilateral avesso a mudanças – reúne Alemanha, Canadá, Estados Unidos, França, Itália, Japão e Reino Unido e tem sido contrário a um compartilhamento mais democrático do poder na questão da governança global.

Com o BRICS o Brasil tem uma oportunidade histórica de, efetivamente, abandonar o seu status de “anão diplomático” para, de fato, ascender à posição e responsabilidade compatível com a+ sua economia e relevância global. É interessante notar que foi a parceria com a China – tão criticada por determinados círculos políticos e econômicos no País – que abriu novas oportunidades ao gigante sul-americano.

A mudança da estrutura global atual de poder é positiva para o Brasil. Mas é fundamental abandonar a subserviência intelectual, econômica e política ainda persistentes e construir uma nova história nacional e global. Erra, portanto, quem aposta contra o BRICS. Este novo arranjo de governança global constitui uma oportunidade histórica para restruturação da ordem mundial e correção de rumos.

Eventos de reestruturação da governança global demoram décadas ou séculos para ocorrer e foram poucos ao longo da história ocidental recente. No geral, o processo de sucessão de uma potência hegêmonica tende a ser lenta, complicada e, muitas vezes, não pacífica. A mudança – que é a única coisa constante no mundo – representa preocupações enormes àquele que será sucedido. E o medo do desconhecido também serve como um freio num processo de uma transição mais rápida. No entanto, as mudanças ocorrem – desejadas ou não – e, no geral, também representam uma evolução no processo do desenvolvimento da humanidade.  

Ao final de 1945, a ordem internacional atual foi consolidada. A Europa, devastada de uma guerra basicamente iniciada em 1914, com um intervalo entre 1919 e 1939, e encerrada em 1945, passou a ter uma posição secundária no xadrez global, atrelada aos Estados Unidos, que, a partir desse ano, tornaram-se o epicentro do sistema internacional.

Os Estados Unidos consolidaram a sua posição global – apesar da resistência soviética – em quatro setores como potência: (i) militar; (ii) econômica; (iii) tecnológica, e (iv) governança. Em cada um destes setores, o destaque norte-americano foi inegável. O país, que já vinha numa tendência positiva durante o século XIX, cresceu substancialmente como único capaz de atravessar as águas turbulentas da primeira metade do século XX. Além disso, os norte-americanos, por um benefício geográfico, tiveram no seu isolamento geográfico e a ausência de potências inimigas militarmente viáveis e próximas a possibilidade de florescerem, além da inteligência de construírem um sistema aberto de capitalismo, incentivo ao mérito e à competitividade.  A União Soviética jamais se tornou, de fato, um concorrente. Os norte-americanos, com muito talento e capacidade, construíram uma narrativa palatável globalmente, com o uso dos instrumentos de comunicação mais eficientes. Hollywood se transformou numa fábrica global de sonhos e de venda do padrão norte-americano de vida.

A ordem mundial pós-guerra foi-se transformando, no entanto, num clube fechadíssimo, impositivo, de uma retórica contraditória àquilo que apregoava. Os países centrais criaram organizações multilaterais que concentraram poder e governança e impediram que novas potências tivessem, de fato, um assento efetivo à mesa.

África do Sul, Brasil, China, Índia e Rússia, ao estabelecerem um novo tipo de concerto global, como o BRICS, propõem uma ordem internacional mais aberta. Este novo arranjo tem sido criticado, por motivos óbvios, por aqueles que serão substituídos em relevância, particularmente o G7. O fato é que a ordem internacional está em ebulição. O desenho institucional observado nas últimas décadas não é mais sustentável.

Novos arranjos institucionais permitem – particularmente em momentos de profunda alteração – movimentações mais interessantes à implementação dos interesses dos países. É por este motivo que na Cúpula de Joanesburgo, na África do Sul, temos observado o crescimento na interesse de adesão por parte de vários países ao BRICS. Não se trata de um confronto à ordem atual, mas o reconhecimento da necessidade de construção de uma ordem mundial de cooperação e não de confronto. Repetir o erro da Guerra Fria será um desastre.

Um BRICS inclusivo e mais aberto pode representar uma profunda alteração na governança global. Na questão energética, a possível atuação mais próxima de Arábia Saudita,  Brasil, Rússia e Venezuela, que são grandes produtores de petróleo, pode representar uma mudança sem precedentes na questão do combustível fóssil.

O BRICS deve expandir o seu alcance e os seus membros. Com isto, o redesenho da nova ordem mundial poderá ser, de fato, muito mais saudável. Mudanças são sempre dificeis, mas precisam ser constantemente realizadas para o mundo avançar. E isto será bom para o Brasil.

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