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2024: o grande desafio à democracia

Mulher em leições presidenciais e parlamentares de Taiwan. - Imagem: Reprodução | Ann Wang
Mulher em leições presidenciais e parlamentares de Taiwan. - Imagem: Reprodução | Ann Wang
Marcus Vinícius De Freitas

por Marcus Vinícius De Freitas

Publicado em 17/01/2024, às 08h03


Mais da metade da população global, em 2024, estará envolvida em eleições nacionais. Trata-se da primeira vez, na história, em que haverá essa oportunidade. Dois bilhões de pessoas, em mais de setenta países, irão às urnas para definir seu futuro destino. Estas eleições ocorrerão em todos os continentes, com algumas tendo um impacto global sem precedentes. Países como Estados Unidos, Reino Unido, Índia, Africa do Sul e Indonésia realizarão pleitos eleitorais. O grande temor, no entanto, é o seguinte: sairá a democracia fortalecida após as eleições. O cenário global atual desanima quanto às perspectivas.

Uma das razões principais é porque os governos têm-se esquecido que o objetivo fundamental da democracia é a promoção do bem-estar social da população, com particular atenção a assuntos como emprego, saúde, educação e, principalmente, segurança pública. A frustração se dá pelo fato de que os políticos se preocuparão – e tentarão convencer às populações – com assuntos de menor relevância no curto prazo. Políticos adoram discutir, infindavelmente, temas cuja repercussão no presente é irrisória. O que mata mais gente no Brasil: a falta de segurança pública nas cidades ou o aquecimento global? Agora, veja quanto tempo gastamos debatendo a respeito de assuntos de menor relevância no curto prazo por absorvermos agendas do mundo desenvolvido – assuntos de menor importância num país como o Brasil onde o custo de vida se eleva numa velocidade inversamente proporcional à melhoria da qualidade de vida.

Ao observarmos o cenário global, algumas coisas tenderão a consolidar-se na maioria das eleições: a leniência com a corrupção, a aceitação da incompetência administrativa e a manipulação, através das mídias sociais, de narrativas. As mídias sociais se tornaram território fértil para abundar a ignorância e as teorias conspiratórias. De teorias infundadas sobre a Covid-19 ao terraplanismo, a Internet se tornou uma fonte abundante de inverdades. Mas, melhor do que alguém considerar-se superior para decidir o que se coloca na Internet, o ideal seria a humanidade aprimorar-se intelectualmente para separar o joio do trigo.

A disputa na gerontocracia norte-americana é uma das principais eleições a observar-se. O declínio dos Estados Unidos se observa não somente pela queda do seu poder de influência global, mas também pelo próprio cenário eleitoral que não inspira esperança mas sim preconiza uma polarização intransigente de perspectivas de país que, de fato, não o levarão à gloria do passado, particularmente do período que seguiu o fim da Guerra Fria, quando os Estados Unidos foram, efetivamente, a única potência global. Ao que tudo indica, a polarização política será ainda maior.

Infelizmente, como se comprovou recentemente nas eleições argentinas, engodos são criados para que o eleitor caia e, posteriormente, tenha de sobreviver à incompetência dos governos instalados, que jamais entregam, efetivamente, o que prometeram. Muitas eleições consolidarão governantes iliberais. Outros recompensarão os corruptos e incompetentes. A realização de eleições não implica que os processos eleitorais e apuração serão pristinos ou a maioria da população ficará feliz com o resultado. De fato, as eleições têm-se caracterizado pelo remorso do eleitor, que elege um candidato num momento e se arrepende no momento imediatamente posterior à colocação do voto na urna.

Haverá eleições, também em que que os resultados estão quase certos. Vladimir Putin, da Rússia, e Volodymyr Zelensky, da Ucrânia, embora em lados opostos do espectro político e bélico, deverão ser reeleitos em seus países por serem líderes num período de guerra. Em ambos os casos se poderá medir a força do líder político eleito e as perspectivas da longevidade da guerra em curso. 

No caso do Reino Unido, o Partido Conservador, no poder há quase quatorze anos, deverá dizer adeus ao poder e tornar-se oposição. A política econômica do Partido Conservador – muito distante daquilo que foi o Thatcherismo – tem sido desastrosa para o país. E os resultados positivos do tão prometido BREXIT têm-se revelado um sonho de uma noite de verão, com o Reino Unido sofrendo as consequências inflacionárias e mercadológicas de uma decisão equivocada.

Se a eleição ocorrida em Taiwan for prenúncio daquilo que está por vir em 2024, os sinais são preocupantes. Taiwan optou – talvez por fiar-se equivocadamente nas promessas do Ocidente – por consolidar uma postura de confronto à China, da qual é uma província nos termos do princípio de Uma Só China. O Ocidente interferir em um assunto doméstico como tem feito nesta questão, particularmente armando militarmente Taiwan, é um grave erro por estimular um cenário belicoso numa região do mundo em que qualquer tipo de confronto tem um impacto vastíssimo sobre as cadeias globais de suprimento.

Ainda há mais à frente: perderá o Congresso Nacional Africano, do falecido Nelson Mandela, o poder pelo qual lutou por décadas na África do Sul? A Europa seguirá no processo de radicalização à direita, afetando, particularmente, a questão migratória? Perderá Nicolas Maduro o poder na Venezuela?

Em 2024, as democracias poderão surpreender e entregar melhores governantes. Considerando as expectativas e aquilo que ocorreu em Taiwan, no entanto, as expectativas são preocupantes. 

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