por Marcelo Emerson
Publicado em 20/06/2024, às 06h00
Chico Buarque completou 80 anos de idade nesta quarta-feira (19). O celebrado artista continua a colher os frutos de sua prolífica carreira. Músico, cantor, compositor, poeta, escritor e dramaturgo, Chico também pôs sua arte a serviço da militância política, atingindo também o patamar de intelectual público.
Exemplo emblemático da singularidade artística de Chico Buarque foi o projeto “Calabar – O elogio da traição”. Resultado da parceria com o poeta Ruy Guerra, o pacote contava com um disco, um livro e uma peça de teatro.
A censura estatal da época (segunda metade dos anos 60) implicou com o título, com o texto da peça e com trechos das letras das músicas, o que gerou uma série de exigências e cortes. Ao final dos ensaios, o estado não concedeu as autorizações necessárias e a peça não foi aos palcos. Sobrou o disco, que foi lançado pela Polygram em 1973 apenas com o título “Chico Canta”, impresso numa capa branca, já que a original havia sido censurada.
Ao contrário do que os entusiastas do marketing propagam hoje, a arte não precisa apenas de tranquilidade e dinheiro para prosperar.
Chico Buarque viu sua obra ser gestada em circunstâncias que lhes eram contrárias, tendo inclusive contado com um exílio na Itália.
Isso me lembra a realidade de outro artista cuja trajetória tem traços pertinentes ao tema desta coluna: Carlos Lopes, da Dorsal Atlântica. Na letra da música Vitória, que está no icônico álbum “Dividir e Conquistar” (1988), Lopes grita: “Nascemos com a missão de fazer um sonho viver/ Mesmo com pessoas e pedras fechando o nosso caminho /Fazem necessário que não tenhamos nenhuma paz / Porque a alma descansada não brilha jamais/ Inabalável/ Certo da vitória”.
Invariavelmente, Carlos Lopes é citado como artista influente no cenário da música pesada brasileira, mas, há sempre um asterisco colocado por aqueles mesmos entusiastas do marketing: “se o Carlos tivesse gerenciado a Dorsal como uma empresa...”
Esta “ressalva” vem daqueles que colocam em destaque a lógica exacerbada do mercado, segundo a qual o artista deve abandonar a personalidade que lhe confere uma visão singular do mundo para se “objetificar” como mercadoria. Já se fala por aí: “tal artista tem um ‘branding’ muito bom”. Confundem a arte e o artista com os itens de merchandise. Não há mal nenhum em vender camisetas, discos, canecas e todo tipo de mercadoria referente a certo artista. Mas há uma distorção da realidade quando um artista é tratado como se fosse um produto a ser comercializado sob uma marca. O tempo que obra a arte nem sempre obedece a urgência da moda mercadológica.
Guardadas as proporções, já que um é artista popular e outro criou sua arte no nicho restrito da música pesada, Chico Buarque e Carlos Lopes têm seus pontos em comum em termos de personalidade artística e na atitude de por a arte a favor das suas convicções pessoais, independente do preço a ser pago por isso.
O tema demanda espaço que não tenho nesta coluna, mas termino com trecho da letra de “Tempo e artista”, de Chico Buarque: “Imagino o artista num anfiteatro/ Onde o tempo é a grande estrela/ Vejo o tempo obrar a sua arte/ Tendo o mesmo artista como tela/ Modelando o artista ao seu feitio”.
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