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Qual é a conta da colonização? E da escravidão?

Revolução dos Cravos. - Imagem: Reprodução | Portal Brasil de Fato
Revolução dos Cravos. - Imagem: Reprodução | Portal Brasil de Fato
Kleber Carrilho

por Kleber Carrilho

Publicado em 27/04/2024, às 02h00


O presidente português, Marcelo Rebelo de Sousa, na semana da comemoração dos 50 anos da Revolução dos Cravos, falou algo que mexeu com as estruturas politicas da velha Metrópole: a necessidade de reparação dos danos causados pela escravidão e pela colonização.

Como uma bomba sobre o já conturbado ambiente político português, isso resultou em respostas. O líder do terceiro maior partido da Assembleia da República acusou Marcelo de traição, em plena comemoração, com a presença dele na Casa. É claro que esse aparente exagero seria algo esperado de André Ventura, que comanda o extremista Chega, mas também outros partidos à direita se manifestaram contra a fala do presidente, reafirmando terem orgulho da história portuguesa.

Falar de reparação é algo que mexe com os portugueses e os europeus em geral, que foram responsáveis pelas barbáries da colonização nas Américas, na África, na Ásia e na Oceania, mas em geral rebatem dizendo que também são responsáveis pela cultura de que muitos desses países se orgulham.

Outro argumento, muito usado em Portugal, é que os maiores beneficiários da escravidão e da colonização do Brasil, por exemplo, são as famílias que ainda vivem no país e que mantêm posses e posições sociais. Ou seja, com esta ideia, quem deve para os herdeiros das populações que sofrem todos os danos são as próprias elites brasileiras.

Se formos mais fundo, quem ainda mantêm poder e dinheiro desta época são os clássicos bancos ingleses, que ganharam muito com o financiamento do tráfico de pessoas, e foram também competentes em terminar com ele quando notaram financiar a indústria só fazia sentido se as pessoas se tornassem consumidores.

Portanto, a equação da reparação não é simples, e não é somente financeira. É essencial que Estados nacionais, empresas e famílias entendam que a origem de seus poderes está intrinsecamente ligada ao comércio de pessoas, que deu muito mais dinheiro aos seus agentes do que a comercialização de produtos agrícolas, inclusive as tão citadas especiarias.

A política das cotas, que têm feito parte do dia a dia do Brasil e de diversos outros países, por mais que seja interessante, não é a única forma. Os fundos para compensação, com investimento e aplicação definida pelos que sofrem cotidianamente ainda do preconceito resultante desse período da História, são também essenciais para que as políticas afirmativas sejam complementadas.

Olhar para o privilégio e mexer com a memória dos nossos antepassados não é algo simples. Assumir que um tataravô escravizava pessoas e que as posses da família têm muito ainda desse dinheiro é um processo complexo que, em determinadas circunstâncias, vai necessitar de ajuda institucional, porque dificilmente os herdeiros contribuirão voluntariamente para um fundo de reparação.

O presidente Marcelo deu um passo importante, e outros estão sendo organizados, inclusive na ONU. Se não é possível reparar totalmente o que ocorreu no passado, há sempre a possibilidade de diminuir os danos no presente.

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