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É hora de desativar o campo minado

Cada um de nós pode conversar, convencer e trazer algumas pessoas para a nossa razão, a razão da ciência, da racionalidade e da democracia

É hora de desativar o campo minado - Imagem: reprodução Twitter
É hora de desativar o campo minado - Imagem: reprodução Twitter
Kleber Carrilho

por Kleber Carrilho

Publicado em 13/11/2022, às 10h24


O questionamento da verdade, a desvalorização da ciência, a negação do óbvio e a invenção de realidades paralelas são fenômenos que podem ser observados claramente no Brasil de hoje. Não que não existissem antes, mas agora estão nas ruas, nas redes, em altas posições nos diversos níveis de governo (o federal principalmente), na Justiça e nas Casas Legislativas.

O grande problema é que tudo isso atenta contra uma condição básica para a existência da democracia: a argumentação racional, baseada em fatos, para a construção de políticas públicas, de projetos e, consequentemente, do futuro.

Então, se essas pessoas que negam a racionalidade estão em tantos lugares, o que fazer?

Primeiramente, devemos assumir que esses fenômenos existem, não podem ser motivos de piada e precisam ser combatidos a partir do questionamento clássico do que ficou conhecido como paradoxo de Popper: a limitação da tolerância com quem é intolerante.

Na obra A sociedade aberta e seus inimigos, o filósofo austro-britânico Karl Popper deixa claro que, se não houver formas de limitar a ação e as palavras de grupos intolerantes, a tolerância ilimitada gera instabilidade para a sociedade aberta, democrática e progressista.

Portanto, deve haver, por meio de mecanismos de controle, formas de regular e limitar a atuação dos intolerantes. E é claro que, em qualquer sociedade, eles vão existir. Mas, se houver esse controle, eles não chegam a desestabilizar a ordem democrática e o tão caro Estado Democrático de Direito.

Quem sai hoje às ruas para pedir o fim da democracia, golpes de Estado e intervenções das Forças Armadas não pode ser tratado da mesma forma que grupos que lutam por direitos que não são atendidos. Se caminheiros protestam por melhores salários ou pela diminuição do preço dos pedágios, estão legitimamente lutando por suas condições de trabalho. Mas se os mesmos caminhoneiros pedem que o resultado de uma eleição livre não seja respeitado, estão atentando contra a democracia.

Quando grupos de pessoas em êxtase comemoram a prisão (que não ocorreu) de um ministro do STF, elas estão fazendo coro a uma realidade que já citei aqui como paralela, em que a imprensa livre não faz sentido, mas sim seus grupos fechados de informações falsas. Por isso, além de tratar os intolerantes como devem ser tratados, também temos que resgatar as pessoas que foram seduzidas para o conforto dos grupos, para que elas retomem (ou tenham pela primeira vez) uma capacidade de compreensão racional da realidade.

Isso porque, se deixarmos da forma que está, elas até poderão se calar agora, mas continuarão sendo alimentadas por redes muito bem desenvolvidas, que as satisfazem com informações e notícias falsas que concordam com a forma paralela de ver o mundo e que distribuem teorias da conspiração.

Portanto, agora é hora de agir. Já que tudo isso aconteceu e não demos a atenção devida, tratando com humor e criando memes, é essencial neste momento chamar as pessoas para a razão. De forma empática, cuidadosa, paciente, sem que elas sejam humilhadas.

É hora de agir para garantir que o futuro da democracia exista. Cada um de nós pode conversar, convencer e trazer algumas pessoas para a nossa razão, a razão da ciência, da racionalidade e da democracia.

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