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Os ministros do STF falam bonito, mas nem todo mundo entende o que dizem

Por Reinaldo Polito

Os ministros do STF falam bonito, mas nem todo mundo entende o que dizem
Os ministros do STF falam bonito, mas nem todo mundo entende o que dizem

Redação Publicado em 14/11/2021, às 00h00 - Atualizado às 15h15


Os ministros do STF falam bonito, mas nem todo mundo entende o que dizem

Por Reinaldo Polito

Antigamente os ministros do STF eram discretos. Dificilmente concediam entrevistas. Praticamente nunca falavam fora dos autos. Por isso, eram reverenciados pela população. As pessoas viam neles uma aura que os tornavam inatingíveis. 

Os tempos são outros. A popularidade atingida pelos ministros fez com que passassem a ser vistos como seres comuns, que, mesmo possuindo elevado saber jurídico, podem falhar, se equivocar e até ser contaminados em seus julgamentos por simpatias políticas. 

É inacreditável! Os brasileiros hoje conseguem se lembrar com mais facilidade do nome dos ministros do STF que dos jogadores do selecionado brasileiro de futebol. E não é força de expressão. Quem acompanha o noticiário político, dia sim, outro também se vê às voltas com as decisões desses magistrados. 

Na verdade, os debates entre os ministros já viraram, também sem exagero, conversa de botequim. Os “simples mortais”, que antes não tinham acesso ao que era discutido nos julgamentos, agora, com as sessões sendo transmitidas pela televisão, não é difícil saber se as decisões se pautaram apenas no que prega a Constituição.

Por mais que o juiz dê rodopios com as filigranas jurídicas, acabam por demonstrar suas verdadeiras intenções.  Certas pessoas até afirmam que, por esse motivo, talvez alguns membros da mais elevada corte se expressem com linguagem nem sempre compreensível. Possivelmente imaginam assim que a interpretação um pouco mais pessoal da Constituição passe despercebida. 

Temos aí uma questão que se tornou recorrente: será que precisam mesmo comunicar o que decidem com aquele linguajar incompreensível para a maioria? Será que há necessidade desse juridiquês rebuscado, empolado e, em certas situações, até pernóstico? Sim e não. 

Se analisarmos a fala de alguns juízes, como a da ministra Cármen Lúcia, por exemplo, podemos constatar que os seus pareceres se revestem de toda a profundidade jurídica, mas sem exagerar naqueles termos que só os profissionais da área do direito compreendem. Outros, todavia, como o caso do ministro Luís Roberto Barroso e o do já aposentado Celso de Mello, além de consumirem tempo extremamente prolongado, usam vocabulário que se afasta do entendimento comum. 

Ao reescrever o meu livro “Oratória para advogados e estudantes de direito” dediquei algumas páginas para discutir esse tema. Faço a defesa do “sim” ao afirmar que certos termos jurídicos possuem significado peculiar, que nem sempre encontram correspondência no vocabulário comum. Para defender essa tese eu me amparei no que diz o renomado Edmundo Dantès Nascimento. Em seu livro “Lógica aplicada à advocacia”, faz referência a Plácido e Silva, na obra “Vocabulário jurídico forense”: “Em relação aos prazos, dilação, prorrogação, e renovação, aparentemente análogos no conceito vulgar, exprimem no sentido jurídico conceitos próprios, que não se identificam nem se confundem, como ocorre na linguagem vulgar”.

Por essa razão, ainda que os vocábulos usados pelos ministros sejam em algumas situações interpretados como “pedantes”, nem sempre podem ser substituídos, já que, se lançassem mão de outros, embora assemelhados em seu sentido, talvez tivessem, na verdade, significados diversos. 

Na mesma obra que reescrevi, ao fazer a defesa do “não” me apoiei no que diz a Associação dos Magistrados Brasileiros, que em um trabalho denominado “O judiciário ao alcance de todos”, censura o uso exagerado do juridiquês: ”É desafiadora a iniciativa da AMB de alterar a cultura linguística dominante na área do Direito e acabar com textos em intrincado juridiquês. A Justiça deve ser compreendida em sua atuação por todos e especialmente por seus destinatários. Compreendida, torna-se ainda mais imprescindível à consolidação do Estado Democrático de Direito”.

Nas decisões dos ministros do STF, embora tenham, em certos casos, de recorrer a palavras incompreensíveis para a maioria das pessoas, é comum observarmos que alguns deles, como vimos, conseguem comunicar a mesma mensagem transmitida por seus colegas com vocabulário mais simples.

 E aqui cabe uma pergunta: Não são todos ministros? Se um pode falar bonito e ser compreendido, por que o outro não?

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